Proposta foi feita duante primeira visita de um presidente americano ao BID
PAULO SOTERO
Correspondente
WASHINGTON – Com os Estados Unidos e Europa à turras sobre a condução da política global para financiar o desenvolvimento, o presidente George W. Bush, que participará de uma cúpula das Nações Unidas sobre o tema, na semana que vem, em Monterrey, México, propôs ontem ampliar em US$ 5 bilhões, em três anos, a ajuda oficial americana aos países mais pobres que abraçarem reformas econômicas e políticas. O dinheiro apoiaria o combate a aids, programas de educação e saúde.
Trata-se do maior aumento já proposto de ajuda externa dos EUA, que, no final de 2000, atingiu US$ 9,955 bilhões. A maior do mundo em termos absolutos, ela vêm caindo há anos em termos proporcionais e representa hoje apenas 0,1% da Renda Interna Bruta (RIB) do país – a menor contribuição relativa entre as nações ricas. O alvo estabelecido e reafirmado em várias várias cúpulas da ONU é que a ajuda externa oficial dos países industrializados chegue a 0,7% PIB, uma medida mais exigente do que a RIB. Os países nórdicos, Holanda e Luxemburgo são os únicos que cumprem atualmente o compromisso.
“A crescente divisão entre riqueza e pobreza, entre oportunidade e miséria, são um desafio à nossa compaixão e uma fonte de instabilidade e precisamos confrontá-lo”, afirmou o líder americano no Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), na primeira visita de um presidente dos EUA à sede da instituição. O roqueiro Bono, do grupo irlandês U2, que colocou sua fama a serviço do perdão da dívidas das nações mais pobres, participou da cerimônia, ao lado dos presidentes do BID, Enrique Iglesias, e do Banco Mundial (Bird), James Wolfensohn, e dos secretários de Estado, Colin Powell, e do Tesouro, Paul O’Neill.
Bush rechaçou a noção de que a pobreza tenha relação direta com o terrorismo do tipo que EUA e aliados enfrentam hoje, mas admitiu que a iniciativa de propor um aumento substancial da ajuda ao desenvolvimento pode contribuir para reduzir a frustração que fomenta movimentos radicais, especialmente no mundo islâmico.
“A pobreza não causa terrorismo”, disse Bush. “Ser pobre não o torna um assassino; a maioria dos conspiradores de 11 de setembro cresceram em circunstâncias confortáveis. Mas a pobreza e opressão persistentes podem levar à desesperança e ao desespero – e quando os governos deixam de atender às necessidades básicas dos povos, esses estados fracassados podem se tornar santuários do terror.”
Empenhado em assumir o controle da agenda de Monterrey, num momento em que a credibilidade dos EUA, como pregador de reformas econômicas, está posta em xeque por decisões como a de proteger a indústria suderúrgica americana, o líder americano disse que a conferência da semana que vem representa uma oportunidade para que as nações ricas pensem em novas formas de fomentar o desenvolvimento dos países pobres.
Durante a cerimônia, organizada de última hora e que forçou Iglesias a retornar às pressas a Washington, apenas um dia depois do encerramento da reunião anual do BID, em Fortaleza, Bush voltou à carga para que as instituições multilaterais de desenvolvimento reformem as políticas e passem a fornecer até 50% da assistência aos países mais pobres sob a forma de doação, em lugar de empréstimos.
“Muitos se mobilizaram em torno da idéia de esquecer a dívida (das nações mais pobres)”, disse o presidente. “Eu digo que precisamos nos mobilizar em torno da idéia de pagar o endividamento.”
A proposta enfrenta forte oposição dos países europeus e do Japão, bem como de nações emergentes, como o Brasil, porque implicaria risco de crédito para o Bird e do BID e/ou encarecimento dos empréstimos para países de renda média, que herdariam parte do custo da ajuda adicional ao desenvolvimento aos mais pobres.
O aumento de ajuda proposto por Bush vale apenas a partir do ano fiscal de 2004, que começa em outubro do ano que vem. Embora significativa, não produziria uma mudança relativa importante na participação dos EUA na ajuda ao desenvolvimento e manteria o país longe do alvo de 0,7% do PIB. Ela representa apenas 10% dos US$ 50 bilhões de aumento líquido da assistência oficial dos países ricos ao desenvolvimento, que o presidente do Bird, James Wolfensohn, propôs no início do mês como o objetivo para a reunião de Monterrey.
Ainda assim, se passar pelo Congresso, a ajuda adicional poderá fazer diferença para a África, que concentra o maior número de nações pobres e, ao lado do Afeganistão, é o destino provável da maior parte dos novos recursos. A assistência proposta por Bush mudaria também o perfil da ajuda externa bilateral dos EUA, que consome 75% do total da ajuda externa ao desenvolvimento e é ditada por objetivos estratégicos da política externa americana. Segundo os dados mais recentes da OCDE, relativos a 2000, não há nenhum país africano entre os dez principais beneficiários da assistência bilateral dos EUA, em termos concessionais, que são: Rússia (US$ 1,1 bilhão), Israel ( US$ 967 milhões), Egito (US$ 799 milhões), Ucrânia (US$ 282 milhões) Indonésia (US$ 194 milhões), Jordânia (US$ 179 milhões), Colômbia (US$ 169 milhões), Bósnia-Herzegovina (US$ 152 milhões), Índia (US$ 148 milhões) e Peru (US$ 136 milhões).
A iniciativa do líder americano foi bem recebida pelas organizações não governamentais que lidam com o tema, mas com ceticismo. “Aplaudimos o fato de o presidente reconhecer a necessidade de se desenvolver políticas de assistência que elevem a importância da ajuda externa”, disse Sid Balman, porta-voz da Interaction, uma alaiança de ongs. “Esperamos que o compromisso veja a luz do dia quando os número finais aparecerem no orçamento.”