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O Eneagrama de The Edge

O Eneagrama de The Edge

O mundo corporativo é muito dinâmico. ele costuma apresentar uma série de estudos sobre a personalidade das pessoas e, atualmente, o eneagrama está sendo utilizado por alguns profissionais de sucesso. Ele pode ser usado na compreensão e estudo de qualquer processo contínuo, uma vez que, em sua lógica, o fim é sempre o início de um novo ciclo.

O UV Henrí Galvão, um grande entusiasta do assunto, resolveu fazer um estudo dentro dos preceitos desta técnica em cima das personalidades de Bono e The Edge. Aqui vai o segundo texto, sobre o Edge. Se perdeu o sobre o Bono, é só procurar em nosso site que está aqui. Se liga só:

Eneagrama & Música: The Edge

Bono certa vez comparou cada um dos quatro membros do U2 a partes do corpo humano. Enquanto ele próprio seria o coração da banda (por conta de sua grande emocionalidade), Adam e Larry representariam os pés, e The Edge representaria a cabeça.

Isso faz muito sentido se a gente for considerar que The Edge (cujo nome verdadeiro é Dave Evans) recebeu esse apelido logo quando da formação da banda, por conta de sua preferência por observar as coisas de uma certa distância, e por conta de seu comportamento geralmente pouco emocional.

E, de uma perspectiva do Eneagrama, a análise de Bono faz ainda mais sentido. Isso porque muitas poucas pessoas que conhecem esse sistema discordariam de mim quando digo que The Edge é, quase que sem nenhuma dúvida, um tipo Cinco.

Não espere por muito

Não é de se espantar que um dos nomes mais comumente usados pra descrever esse tipo é “o Observador” (“o Investigador” também é bastante comum). Eles são considerados os mais “cerebrais” dos nove tipos, no sentido de serem aqueles que tendem a confiar mais no intelecto. Muito frequentemente, em detrimento de suas emoções.

Muito disso vem da sua paixão característica, que é a avareza. No contexto do Eneagrama, a avareza deve ser vista sob um contexto mais amplo, já que ela não trata apenas de ser mesquinho em relação a dinheiro, mas também em relação a outros recursos, como tempo e energia.

Em outras palavras, o tipo Cinco frequentemente percebe as demandas externas como sendo simplesmente demais pra eles. Como resultado, eles tendem a evitar se envolver muito com outras pessoas num nível bastante emocional, em parte porque eles geralmente duvidam de sua própria capacidade de dar a essas pessoas o que elas procuram.

Disso decorre uma tendência a ter a frugalidade em alta conta, e em se virar com menos do que seria sequer concebível pra maioria das pessoas. O que, sob um ponto de vista artístico, pode dar uns resultados muito interessantes.

Tome essas mãos, elas não servem pra nada

Não é nenhum exagero dizer que The Edge é um dos guitarristas mais únicos e influentes de todos os tempos. Ter crescido sob a influência do movimento punk acabou sendo o encaixe perfeito pra um músico que se considera um minimalista de coração, com muito pouco interesse em tocar uma quantidade excessiva de notas.

“Eu sou um músico. Não sou um pistoleiro”, ele diz. E ter essa perspectiva mais ampla de si mesmo lhe permitiu explorar territórios desconhecidos enquanto guitarrista, dando rédea livre pro seu grande interesse nas possibilidades técnicas não só do seu instrumento principal, mas também do estúdio de gravação.

De fato, embora eu não leve muito a sério aqueles que o criticam enquanto guitarrista por causa do seu estilo mais contido, eu às vezes concordo com outros que dizem que ele se fia demais na parafernália técnica ao redor de tudo isso, a qual envolve um setup ridiculamente complexo de guitarras durante os shows.

E isso, por sinal, também pode ser creditado ao seu tipo no Eneagrama. Por um lado, o tipo Cinco tende a ter uma capacidade fora do comum de se concentrar e ir a fundo no trabalho que faz. Por outro lado, eles podem ir longe demais nisso, ficando obcecados com detalhes que, no fim das contas, podem acabar lhes distraindo do todo.

Aliás, até certo ponto foi uma surpresa pra alguns fãs quando Bono disse recentemente que o maior culpado pelo fato do U2 estar demorando cada vez mais pra lançar seus álbuns é The Edge. O fato dele ser tanto o maior workaholic quando o maior perfeccionista da banda é capaz de deixar todo mundo ao seu redor louco.

Você vem vivendo debaixo da terra, comendo de uma lata

O que me leva à questão dos subtipos, já que essa mistura de workaholismo e perfeccionismo é a maior razão de eu acreditar que o seu instinto mais forte no Eneagrama é o autopreservação.

Confesso que essa não é uma aposta muito confiante da minha parte. Em parte porque os diferentes subtipos do Cinco não são considerados muito diferentes uns dos outros, exceto pra aqueles que os conhecem muito bem (o que tende a ser uma tarefa difícil, como vimos).

Mas, como eu não vejo nele nem o idealismo que parece ser típico do Cinco social, nem o romantismo do Cinco sexual, classificá-lo como autopreservação-dominante me parece que pelo menos faz algum sentido (afinal, esse subtipo é o considerado o mais “puro” dos Cinco).

Em geral, diz-se que o Cinco autopreservação tem uma necessidade mais forte por demarcações claras e por se isolar, assim como uma dificuldade maior que os outros dois subtipos no que se refere a ser assertivo e demonstrar agressividade.

Não sei se quaisquer desses aspectos se aplicam a The Edge com certa regularidade (algo que provavelmente só os seus familiares e os seus colaboradores mais recorrentes poderiam dizer), mas o seu excesso de dedicação ao trabalho me lembra algo que Bea Chestnut diz em The Complete Enneagram:

O Cinco autopreservação limita suas necessidades e vontades por acreditar que todo desejo pode abrir a porta para que eles se tornem dependentes de outros. Desejos, portanto, são ou sublimados em interesses específicos, ou apagados da consciência.

Suponho que tais interesses e atividades poderiam ser simplesmente hobbies para alguns desses Cinco. Mas também é muito frequente que eles sejam seu ganha-pão.

E isso me leva ao meu último ponto de hoje (e provavelmente a coisa que mais me incomoda enquanto fã do U2).

Uma ideia perigosa que quase faz sentido

Embora, enquanto banda, o U2 sempre tenha sido mais apolíneo do que dionisíaco (no sentido de demonstrar uma preocupação muito forte com o que é apropriado de se exibir ou não), nos últimos quinze anos, mais ou menos, esse desequilíbrio cresceu ainda mais.

Enquanto boa parte dos anos 90 viu a banda se reconciliando com seu lado dionisíaco (o que, pra todos os efeitos, foi uma experiência liberadora pra todos eles), desde então eles vêm tendo mais e mais dificuldade em trazer uma dose saudável de espontaneidade e caos ao processo criativo como um todo.

A consequência é que, quando eles tentaram replicar tal experiência no álbum No Line on the Horizon, de 2009, eles simplesmente não conseguiram. Não que seja um álbum ruim, mas ele dá a nítida impressão de que eles sentiram que haviam se tornado grandes demais pra fracassar e não conseguiram mais se deixar levar.

Mas o pior de tudo é que, desde então, a banda lançou dois álbuns recheados de grandes músicas (Songs of Innocence, de 2014, e Songs of Experience, de 2017), as quais foram (pelo menos pra mim) eclipsadas por uma triste constatação: pela primeira vez, o U2 está soando como qualquer outra coisa que toca no rádio.

A razão de eu estar abordando tudo isso é por acreditar que muito disso tem a ver com a influência desproporcional que o perfeccionismo de The Edge teve sobre esses álbuns. Sinto até que estou sendo meio duro ao escrever isso, porque eu também acho que boa parte das escolhas artísticas da banda até então haviam sido mais que justificáveis.

Mas também suspeito que, se eu fosse um garoto de 11 anos hoje (como eu era quando vi pela primeira vez o clipe de “Staring at the Sun” na MTV), eu provavelmente não ligaria muito pro U2. Não porque eles estão se esforçando demais (isso eles sempre fizeram), mas porque agora eles estão se saindo melhor do que antes.

Torço pra que, como diz a letra da última música do seu (ridiculamente menosprezado) álbum de 1997, Pop, ainda seja possível rebobinar tudo como se fosse um toca-fitas (Songs of Ascent, mais alguém?). Mas a cada ano que passa isso vem se tornando uma possibilidade mais remota no meu coração.

O Eneagrama de Bono

O Eneagrama de Bono

O mundo corporativo é muito dinâmico. ele costuma apresentar uma série de estudos sobre a personalidade das pessoas e, atualmente, o eneagrama está sendo utilizado por alguns profissionais de sucesso. Ele pode ser usado na compreensão e estudo de qualquer processo contínuo, uma vez que, em sua lógica, o fim é sempre o início de um novo ciclo.

O UV Henrí Galvão, um grande entusiasta do assunto, resolveu fazer um estudo dentro dos preceitos desta técnica em cima das personalidades de Bono e The Edge. Aqui vai o primeiro texto, sobre o Bono. Semana que vem vamos postar o sobre The Edge. Se liga só:

Eneagrama & Música: Bono

Bono é um personagem que não requer maiores introduções. Ainda que, enquanto frontman do U2, ele seja uma das estrelas do rock mais famosas do mundo, talvez ele seja igualmente conhecido por seu envolvimento numa variedade de causas sociais, principalmente aquelas relacionadas à melhora das condições econômicas e de saúde na África.

Ao mesmo tempo, eu me pergunto se um estudante do Eneagrama que não soubesse quem ele é (é claro que isso é quase impossível pra qualquer um que acompanhe a música pop), e que fosse introduzido apenas aos fatos-chave da vida de Bono e do que ele defende, concordaria com o que estou prestes a dizer: que ele é, muito provavelmente, um tipo Sete.

Você perde muita coisa nesses dias se você para pra pensar

Por um lado, talvez não seja assim tão difícil pensar nele quando frequentemente se vê diferentes autores se referindo ao tipo Sete como “o Epicurista” do Eneagrama. Afinal, mesmo quando o U2 era considerado uma banda muito séria, havia sempre uma notável “joie de vivre” nas entrevistas que Bono concedia, bem como nas suas artimanhas de palco.

Por outro lado, sempre que se estuda um certo tipo no Eneagrama, há algo de mais importante do que o nome que é frequentemente dado a ele: a saber, a sua paixão predominante. A qual, para o tipo Sete, se chama gula.

Por conta disso, muito do entusiasmo que os Sete demonstram vêm de querer fazer e experimentar muitas coisas (comida sendo apenas uma delas), frequentemente todas ao mesmo tempo. E essa tendência, paradoxalmente, tende a lhes negar justamente a satisfação que eles procuravam quando decidiram se engajar em tais experiências.

Isso porque a principal fixação desse tipo se chama antecipação. Em outras palavras, como eles estão constantemente pensando sobre o que fazer ou aonde ir em seguida, estar presentes onde quer que eles estejam – e com quem quer que esteja com eles – num dado momento pode ser algo incrivelmente difícil.

É claro que estar presente não é uma tarefa fácil pra ninguém, independentemente do seu tipo. (O tipo Quatro, por exemplo, tende a pensar bastante no passado.) A questão é que muitos tipos Sete, justamente por conta de sua fixação, tendem a desenvolver uma baixíssima tolerância à frustração.

A partir daí, não é de surpreender que um dos seus maiores desafios seja uma falta de comprometimento generalizada. Toda criatividade e excitação que eles geralmente demonstram durante os estágios iniciais de qualquer projeto podem ser sabotadas por um certo desinteresse em dar prosseguimento às suas ações – em parte devido a um certo medo de se sentirem presos.

Um amor, uma vida

Tendo isso em mente, talvez soe estranho ouvir um tipo Sete dizer algo nesses termos:

Eu comecei a namorar a minha esposa, Ali, na mesma semana em que entrei no U2, e aquela foi uma boa semana

Sem contextualizar as coisas, talvez a frase acima não soe tão fora do comum por si só, então vou reenquadrá-la da seguinte maneira: temos aqui um tipo Sete na faixa dos 50 anos que encontrou sua futura esposa e seus futuros companheiros de banda quando tinha apenas 16, e eles todos estão juntos desde então. (Incrivelmente, o U2 nunca passou por nenhuma mudança de formação.)

A estranheza dessa situação pode ser ao menos parcialmente explicada quando consideramos que o instinto predominante de Bono no Eneagrama é o social, e isso o coloca dentre aqueles que são classificados como contra-tipos neste sistema – pessoas que expressam a paixão de seu tipo das formas mais inesperadas.

Como o nome sugere, o instinto social se relaciona com como uma pessoa lida com dinâmicas de grupo em geral. Assim, talvez a forma mais fácil de entender a influência que esse instinto tem sobre um indivíduo é considerar a importância que ele/ela dá a qualquer situação na qual haja mais de duas pessoas envolvidas.

Como comentei no meu primeiro texto dessa série, isso não significa que uma pessoa que seja social-dominante vá ser mais socialmente envolvida do que se o seu instinto predominante fosse o sexual ou o autopreservação. Basicamente, o que isso significa é que, seja como for que essa pessoa decida se comportar em grupos, ela raramente vai deixar de levar em conta essas dinâmicas.

Isso pode ser facilmente visto não só no papel cada vez maior de Bono enquanto ativista social ao longo dos anos, mas também no seu papel enquanto membro do U2. Nos anos 80, a banda era vista como os salvadores do rock por alguns, e um observador casual não pensaria que carregar tal bandeira fosse um fardo tão pesado pra ele.

Então, pra mais uma vez trazer a paixão a essa equação: o Sete social é considerado um contra-tipo por reconhecer que a gula – isso é, sua tendência a pensar em sua própria satisfação antes mesmo de sequer levar em conta os desejos e necessidades dos outros – frequentemente não cai muito bem com o que é socialmente esperado.

Consequentemente, esse subtipo faz o movimento contrário à tendência do tipo Sete de ser oportunista, e deliberadamente evita tomar algo pra si mesmo primeiro, defendendo causas que são frequentemente maiores do que eles mesmos.

É por isso que esse subtipo é muito apropriadamente chamado de “Sacrifício”: eles se comportam de maneiras bastante antioportunistas. Como resultado, como diz Bea Chestnut no seu livro The Complete Enneagram, sua gula pode ser difícil de identificar, “porque eles se esforçam para escondê-la em comportamentos altruístas”.

Nos sonhos começam as responsabilidades

Se tudo isso soa bom demais pra ser verdade, é porque, até certo ponto, é. Esses Sete agem como bons samaritanos, mas isso frequentemente vem acompanhado de um desejo igualmente forte de serem reconhecidos pelos outros. (O que é uma das razões pela qual o Sete social pode de certa forma se parecer com um tipo Dois.)

Em sua análise desse subtipo, Bea certamente não poupa palavras, e diz algo que soaria como música aos ouvidos dos detratores de Bono (que aparentemente são muitos): “Seu sacrifício e serviço é o preço que eles pagam por sua necessidade neurótica por admiração.”

Antes de dizer qualquer outra coisa, talvez eu deva deixar claro que sou um fã tanto dele quanto do U2. Embora isso faça com que eu seja um tanto parcial, eu realmente acredito que o seu nível de autoconsciência é bem alto, e o fato dele estar mais que disposto a receber os mais diferentes ataques me parece um bom indício de que ele realmente acredita de coração no que faz.

Na minha opinião, um calcanhar de Aquiles mais delicado está nas suas escolhas como, provavelmente, o membro mais influente do U2 – alguns diriam que ele é o líder de facto da banda. Mais evidentemente, na obsessão que a banda tem em ser aclamada e estar na crista da onda como se nada mais importasse.

Imagino que muito dessa obsessão venha da insistência de Bono em igualar relevância a popularidade. O que, por sua vez, me faz lembrar de como o tipo Sete é muito suscetível a sofrer de uma certa recusa em envelhecer, quase como se “envelhecer graciosamente” fosse um oximoro.

Não é segredo que a ambição rói as unhas do sucesso

De certa forma, me alegra ouvir Bono dizendo coisas como: “se nós acreditamos nas nossas músicas, precisamos usar todos os meios possíveis pra alcançar as pessoas”. Eu mesmo provavelmente não teria me tornado o fã que sou se não tivesse sido exposto à música da banda bem cedo, inclusive quando eles nem eram mais tão “descolados” assim.

E eu com certeza não estou aqui pra dizer o que Bono e o U2 devem ou não fazer a respeito de como comunicam o valor de seu trabalho. Mas às vezes eu me pergunto: será que eles não estão se vendendo barato demais? Não seria bacana, só pra variar, deixar os mais jovens descobrirem o U2 por si mesmos?

É claro que, enquanto fã, eu meio que já sei quais seriam as respostas a essas perguntas. Mas acho que não faz mal “sonhar alto” só um pouquinho, não é?

Email: contato@henrigalvao.com

Links do texto original:

– Bono: U2, State of the World, What He Learned From Almost Dying – https://www.rollingstone.com/music/music-features/bono-the-rolling-stone-interview-3-203774/