Começam a sair as resenhas sobre a ‘360’, que aconteceu nesse final de semana. Duas ótimas matérias, com opiniões bem distintas.
Pirotecnia quase estraga espetáculo
Repertório salva os irlandeses do U2 de se tornarem vítimas do próprio parque temático
SYLVIA COLOMBO
EDITORA DA ILUSTRADA– Jornal Folha de São Paulo
No histórico concerto nas Red Rocks (Colorado, 1983), o U2 tocou para jovens atraídos pelo vigor daquela banda que começava a despontar na cena do pós-punk. Era a turnê do enérgico disco “War”, e o público era composto por roqueiros. Muito mudou desde então.
No último sábado, baladeiros de diversas idades e sotaques do Brasil, não necessariamente amantes do rock, encontraram-se para receber o grupo em sua terceira turnê no país. E foi uma verdadeira “balada”, palavra usada até por Bono (em português mesmo) para definir o encontro.
Na pista, as pessoas fotografavam o palco como se estivessem pisando pela primeira vez na Disney, enquanto via-se gente usando camisetas e faixas com os dizeres “U2, eu fui” ou seguindo guias com plaquinhas que indicavam o caminho de confortáveis camarotes.
Nada mais fora do espírito rock and roll.
Se o público da banda mudou muito, deve-se dizer, é porque a própria banda se transformou também.
A superexposição e o apego à mídia fizeram do U2 um refém da própria grandiosidade. É como se não soubesse mais compor ou cantar sem exagerar nos momentos de clímax, esperando desde logo que um coro acompanhe Bono cegamente.
O show mostrou o U2 mais como presa do imenso aracnídeo que compõe palco, telão e luzes do que como uma legítima banda de rock em pleno voo, que quer experimentar, surpreender e, por que não, incomodar.
REPERTÓRIO FORTE
O segredo do grupo, porém, é que quando mais se espera que os ouvintes estejam comovidos com a ladainha política, vidrados pela pirotecnia ou cantando como quem ora, aí é que eles se impõem pela força de um repertório hoje único no cenário.
Construído ao longo de mais de 30 anos, por um grupo cujos integrantes nunca mudaram, e fiel a conceitos – apesar da abertura pop de “Achtung Baby”, 1991, e “Pop”, 1997 -, o cancioneiro do U2 foi sempre o do rock de arena, de certa inspiração religiosa, e muito melodioso.
O que se nota é que as músicas que melhor têm sobrevivido são aquelas em que a guitarra de Edge é não só determinante para seu encaminhamento melódico como para dar-lhes contorno final.Caso de “Until the End of the World”, “Walk On”, “Vertigo” e, sim, “Sunday Bloody Sunday”.
Aliás, o guitarrista encanta também quando faz a segunda voz, como em “Stuck in a Moment You Can’t Get Out Of”. Mil vezes Edge em vocal secundário do que Bono atacando de Pavarotti, como faz em “Miss Sarajevo”.
As faixas do essencial “The Joshua Tree” (1987), que marcou a conquista definitiva dos EUA pelos irlandeses, saíram preguiçosas, com a banda simplesmente entregando para o público cantar.
Já as do (bom) disco recente (“No Line on the Horizon”, 2009) foram subutilizadas. “Magnificent” entusiasma no início, mas “Get on Your Boots” teve versão acelerada demais e “I’ll Go Crazy If I Don’t Go Crazy Tonight” é avacalhada por um Larry Mullen Jr. que puxa uma batucada no meio do público.
Quando “Moment of Surrender”, a melhor delas, surge, o público já começa a deixar o local, pois o andamento da canção é lento e já se sabe que será a última da noite.
U2 360º TOUR
AVALIAÇÃO regular
Menos messiânico, U2 faz show irretocável em São Paulo
Banda irlandesa passeia pela carreira em show de duas horas no Morumbi
Portal IG – Último Segundo
Por Tiago Agostini
Bono Vox já declarou que um dos objetivos da “360º Tour” é a intimidade em larga escala. Em outras palavras, dá para dizer que o U2 quer que seus fãs se sintam à vontade. Assim, antes da já habitual “Space Oddity”, de David Bowie, com a qual o quarteto sobe ao palco, os alto-falantes fizeram “Trem das Onze”, de Adoniran Barbosa, ressoar em um estádio do Morumbi completamente lotado na noite deste sábado, 09 de abril. O coro uníssono de quase 90 mil pessoas com os versos de uma das canções símbolos de São Paulo era a resposta correta: todos pareciam se sentir em casa no Morumbi.
Veja a galeria de imagens do U2 em São Paulo no Fotoshow
O show começou com “Even Better Than The Real Thing”, música do álbum “Achtung Baby” que a banda resgatou durante as apresentações em Buenos Aires. Um presente para os fãs mais fervorosos. “I Will Follow”, da estreia “Boy”, veio em seguida, lembrando que o U2 sempre soou grandioso e destinado a ser uma das maiores bandas de todos os tempos. “Get On Your Boots” e “Magnificent”, do último álbum, “No Line On The Horizon”, mostraram que a banda já foi mais inspirada em suas composições, mas, ao vivo, não fizeram feio frente os grandes clássicos da banda.
Um dos segredos da magnitude e longevidade do U2 é sua capacidade de passear por diversos estilos. “Mysterious Ways”, também remanescente de “Achtung Baby”, provou que um estádio de futebol pode, muito bem, se transformar em uma pista de dança, graças ao riff simples da guitarra de The Edge e ao baixo circular e envolvente de Adam Clayton. “Elevation” surge, então, como uma locomotiva sonora, lembrando que a banda também sabe fazer rock básico – mesma sensação que “Vertigo” traria um pouco depois. Bono, destilando todo seu carisma, anuncia a próxima música como “A balada”. Segue-se “I Still Haven’t Found What I’m Looking For”, dedicada a Julian Lennon, que, segundo o vocalista, assistia ao show e ganhou um “Parabéns a Você” devido a seu aniversário no dia anterior.
E aí Bono fica sozinho no palco com The Edge, interpreta uma versão acústica de “Stuck In a Moment You Can’t Get Out Of” e toda a grandiosidade do espetáculo é vista por outra perspectiva. É óbvio que o palco em forma de garra impressiona logo ao se colocar os pés no estádio, a parafernália visual chama a atenção, mas despida de efeitos a canção realça o que, no final, realmente importa: o U2 é uma das poucas bandas capazes de compor melodias sentimentais que soem ao mesmo tempo universais e únicas. É como se Bono, ao cantar a letra em homenagem ao ex-vocalista do INXS Michael Hutchence, falasse também sobre cada um dos quase 90 mil presentes. Lembra da “intimidade em larga escala”?
Em comparação com sua última turnê, que passou pelo Brasil em 2006, o messianismo demagógico de Bono fica bem reduzido nesta “360º Tour”.
Se antes havia a Declaração Universal dos Direitos Humanos sendo transmitida no telão, agora o foco parece ser mais a música. Ainda bem. Mesmo a emocionante “Miss Sarajevo” passa incólume pelo discurso pacifista do cantor, que só vai aparecer no final da primeira parte do show, após o hino de protesto “Sunday Bloody Sunday”. Bono celebra a libertação, em novembro do ano passado, da líder de Burma Aung San Suu Kyi, presa em domicílio por 21 anos por fazer oposição ao governo do país asiático. “Walk On”, composta para San Suu Kyi, surge com a passarela ao redor do palco sendo tomada por baldes luminosos com uma vela desenhada por fora, como que num momento de oração e celebração.
O arcebispo sul-africano Desmond Tutu aparece em um discurso no telão antecedendo o bis, que chega com “One”. “Where The Streets Have No Name” traz então toda genialidade de The Edge, capaz de preencher um estádio com poucas notas e efeitos grandiosos. Ainda há tempo para “With Or Without You” antes de Bono lamentar a tragédia ocorrida na Escola Municipal Tasso da Silveira, no Rio, na quinta-feira, 7, e dedicar a derradeira “Moment Of Surrender” a todos as 12 crianças mortas, que tiveram seus nomes mostrados no telão. O vocalista pede então que todos acendam seus celulares ou usem seus isqueiros para iluminar a noite, deixando na retina uma das mais bonitas imagens que um show pode proporcionar. Irretocável.
Não é à toa que o U2 conquistou o posto de maior banda de rock do mundo. Com 35 anos de estrada, os irlandeses pavimentaram uma história íntegra e ousada, sem se deixar seduzir pelas fórmulas do sucesso fácil, se reinventando a cada disco e propondo desafios sonoros aos fãs. Chegaram ao ponto do mega estrelato, do espetáculo de massa, mas sem deixar que a megalomania visual ofusque a mensagem sonora. É tudo planejado para que cada fã se sinta parte especial do todo. A banda se apresenta ainda duas vezes em São Paulo, neste domingo, 10, e na quarta, 13. Faça o possível e o impossível para não perder.
E ai, o que acharam? Opinem no mural!
Em outra notícia, segund o colunista Guilherme Barros, do caderno de política do IG, nada de Trancoso para Bono, que deve se encontrar com Guido Mantega, atual Ministro da Fazenda. Veja a nota aqui.
Dica dos colaboradores Dio Gomes e Márcio Artacho