Especial War 30 anos – Parte 2

Especial War 30 anos – Parte 2

O lado B do disco é literalmente ‘b’. Todas as canções são mais distantes e menos fáceis. Já na abertura, com ‘The Refugee’, que também segundo a teoria de Niall Stokes no livro ‘The Story Behind Every U2 Song’, é uma tentativa de narrativa sobre o início da sociedade irlandesa, e como todos eram ‘refugiados’ do Egito e do norte da África. Porém, a letra também faz conexão com o exílio político de muitos ativistas cubanos na época, já que Bono começou a tomar conhecimento do assunto na turnê americana, em 1982.

A música é trôpega e estranha. Nem preciso dizer que também permanece inédita ao vivo. Aliás, muito da experimentação que viria dar a tônica no álbum seguinte, ‘The Unforgettable Fire’, de 1984, veio deste lado B.

Depois de tantas faixas densas, a seguinte, ‘Two Hearts Beat As One’ é uma pequena joia romântica. Lançada como single nos Estados Unidos e nos principais mercados europeus, é claramente uma declaração de amor para Ali Stewart, esposa de Bono.

Eu nunca gostei muito de compor canções diretas de amor, porque eu sempre pensei ‘O mundo realmente precisa de mais canções tão tolas assim?’, disse Bono em 1989. ‘Porém, acho que essa é realmente bonita. Estávamos tentando fazer algo mais dançável, e acho que conseguimos aqui. ’.
Foi muito executada ao vivo até o final dos anos oitenta. Desde então, está abandonada. Uma pena.

E depois do pequeno alívio, mais uma faixa experimental. ‘Red Light’ é outra canção que levou a banda aos extremos da sua composição na época, não só pelo seu jeito ‘torto’, mas também pela utilização de mais alguns recursos inéditos até então: metais e vocais femininos.

A ‘Luz vermelha’ do título refere-se ao nome comum dado as zonas de prostituição na Europa e a fascinação e a contradição que aquela liberdade virtual promovia na cabeça de um jovem e religioso irlandês, vindo de regras e conceitos muito fechados sobre a sexualidade.

‘Nós tocamos em Amsterdã (capital da Holanda e muito famosa na Europa pela sua ‘Zona Vermelha’) e eu me lembro de ver aquelas garotas nas janelas, à venda’ recorda Bono. ‘Eu ficava tentando entender tudo aqui, mas nunca as julguei. ’.

A novidade musical da canção foi proporcionada pela banda Kid Creole & The Coconuts, que estava na Irlanda em turnê na época. Saquem só as figuras:

A faixa chegou a ser incluída como b-side em algumas versões de ‘Sunday Bloody Sunday’ e no single alemão de ‘40’, ainda em 1983.

‘Surrender’, penúltima faixa do disco, é um groove militar com letra ambivalente sobre religião e suicídio. Algo assim só seria visto novamente nos anos noventa, nas fortes letras ambíguas de ‘Achtung Baby’ e ‘Zooropa’.  Bono cria uma personagem, a durona Sadie, uma mulher que faz o necessário para sobreviver na dura Nova Iorque do início dos anos oitenta; ‘As ruas de fogo’, como Bono canta na letra. Porém, acredito que apesar da história girar sobre o suicídio dela, penso que na verdade a ‘morte’ é simbólica, sendo parte da sua própria reinvenção.

Esta é mais uma faixa com vocais femininos, também cortesia das ‘Coconuts’.

Fechando o disco, um dos hinos da banda. ‘40’ é uma canção de ninar e é praticamente uma reposta ao início do disco, quando Bono pergunta ‘How long must we sing this song?’ com fúria em ‘Sunday Bloody Sunday’. Aqui ele cria a conexão em uma melodia de paz e resignação, retirando partes do Salmo 40 da bíblia para isso (leia-o aqui). Uma prece para vindouros tempos melhores.

Sobre ela, Edge falou no livro ‘U2 by U2’: Havia outra música que nós tínhamos trabalhado e eventualmente abandonado. Ela tinha um baixo muito forte, tinha uns arranjos um pouco pesados com muitas sessões estranhas e trocas de tempo, mas nós falhamos em colocar isso tudo junto em uma música coerente. Alguém disse, “Vamos trabalhar naquela melodia, e ver o que nós podemos fazer com ela.” Decidimos retirar as batidas que não estavam funcionando – literalmente, então o Steve fez rapidamente algumas edições múltiplas e tirou qualquer sessão que parecia não fazer parte da ideia principal. Então no final nós tínhamos um pequeno pedaço de música pouco comum e dissemos, “Ok, o que nós iremos fazer com isso?”, o Bono disse, “Vamos fazer uma passagem do salmo”. Abriu a Bíblia e achou o salmo 40. “É isso. Vamos fazer isso.” E em quatorze minutos nós trabalhamos os últimos elementos da melodia, o Bono cantou e mixamos. E literalmente, após terminar a mixagem, nós saímos pela porta e a próxima banda entrou. ’.

‘40’ foi o quarto single do álbum, lançado já no final de 1983 somente em alguns países da Europa.

Lado B, ‘Under a Blood Red Sky’ e edição de aniversário.


Como as sessões do álbum foram curtas e corridas, pouco sobrou para ser lançado com os quatro singles do álbum. Somente duas faixas acabaram sendo aproveitadas, além de vários remixes de ‘New Year’s Day’ e ‘Two Hearts Beat As One’.

‘Endless Deep’, lançada como lado B dos singles de ‘Two Heart Beat as One’ e ‘Sunday Bloody Sunday’, é uma peça instrumental espacial e calcada no baixo de Adam Clayton. Já ‘Treasure (Whatever Happened To Pete The Chop?)’, lado b de ‘New Year’s Day’, é uma demo datada de 1978, intitulada ‘Pete The Chop’ (daí, a brincadeira no título), que foi retrabalhada nas sessões de 1982. Poderia facilmente ter feito parte de um dos dois primeiros álbuns. Bono desafina horrores na letra do tal Pete, um amigo da banda. Paul McGuinness inclusive gostava tanto da canção que queria ter lançado como single, ainda em 79.

Dos remixes, as versões ‘US Remix’ de ambos os singles são tão boas quantos as versões do álbum. Todas estas versões foram feitas sobre bases não utilizadas nas versões finais, então há vários trechos diferentes de letra, melodia e até linhas de guitarra e baixo. Há inclusive um bootleg fácil de encontrar no You Tube com 13 (!?!?) versões diferentes de ‘Two Hearts Beat As One’.

Todos estes remixes (incluindo os do DJ Ferry Corsten), além das versões ao vivo de ‘I Threw a Brick Through a Window’, ‘A Day Without Me’ e ‘Fire’ foram incluídas no cd bônus da edição de aniversário do álbum, em 2008, ao lado da inédita ‘Angels Too Tied To The Ground’, que aproveitou a base inacabada das sessões do álbum e foi finalizada por Bono e Edge para o lançamento.

Em agosto de 1983, bem no meio da divulgação do álbum, a banda resolveu lançar um vídeo e um EP ao vivo mostrando como a banda era ao vivo. Uma polaroide daquele tempo.Daí veio o filme ‘U2 Live From The Red Rocks’ e o álbum ‘Live – Under a Blood Red Sky’.Aliás, muitos pensam ser a mesma apresentação, quando na verdade, o filme foi registrado no anfiteatro de Red Rocks, no Colorado, as faixas do álbum são vários registros ao vivo nos Estados Unidos e confusão vem devido as capas, que são iguais para ambos os lançamentos.

O filme catapultou a fama de ‘banda ao vivo’ do U2, que cresceu com as intermináveis apresentações nos confins norte-americanos. A banda estava determinada a estourar na América e a fagulha se acendeu ali.

Mas isso é assunto para outro especial de trinta anos… Em 2017 😉

‘War’ é um álbum que, apesar de ter claramente envelhecido na sonoridade, é pródigo em se manter atual nos temas e na espontaneidade que está no som do U2 até hoje. Faixas como ‘Love and Peace Or Else’, do álbum ‘How To Dismantle An Atomic Bomb’ devem muito a esse período. Mesmo o que eles logo mais vieram a fazer, no experimentalismo do álbum ‘The Unforgettable Fire’, brotou ali.

Até porque, não se vai à guerra desarmado. E a arma deles sempre foi a cara e a coragem.

Por Márcio Guariba

UltraViolet-U2 no Twitter: https://twitter.com//ultravioletu2
UltraViolet-U2 no Facebook: https://www.facebook.com/UltravioletU2Brasil

2 Replies to “Especial War 30 anos – Parte 2”

Comments are closed.