Especial War 30 anos: Os meninos vão à guerra

Especial War 30 anos: Os meninos vão à guerra

Em 1982, o U2 vivia um período de transição pessoal muito forte: Bono se casou, Edge questionou sua fé e o som da banda estava perdido entre o Punk proletário e a experimentação celta.

O single de ‘A Celebration’, feito as pressas para tentar manter a banda nas paradas depois do fiasco de vendas de ‘October’, que não conseguiu emplacar nenhum single, não empolgou ninguém. Inclusive, a própria banda rejeita canção, a excluindo de todas as compilações lançadas posteriormente.

No livro ‘U2 by U2’ (ou ‘A Bíblia’), Edge comentou sobre a canção: “De volta à Dublin, nós gravamos ‘A Celebration’. Ela não era ruim, mas também não era boa o bastante para livrar-nos de encrenca. Nós ainda estávamos inseguros em relação a impasses do álbum, gravar sem ter músicas prontas. Naquele momento a gente precisava de um sucesso. ‘A Celebration’ não era um.”


Mas foi nela que o processo de composição do álbum seguinte começou. Os temas messiânicos seriam deixados um pouco de lado, porém os teclados viriam para ficar. Dessa fusão dos dois álbuns anteriores nasceu ‘War’, que completa trinta anos em 2013.

Durante a turnê do álbum ‘October’, entre 81 e 82, a Irlanda vivia a efervescência do nacionalismo burro, representado pelo exército republicano, os terroristas do IRA. “Algumas coisas estavam acontecendo durante a turnê de October.”, Bono comenta também no ‘U2 by U2’. “Bobby Sands (membro do IRA que tentava uma solução pacífica para os problemas religiosos da região) estava morrendo, numa greve de fome na Irlanda, e as pessoas estavam gritando o seu nome para nós enquanto estávamos no palco. Havia alguns poucos contingentes de ‘Viva o IRA’, que achavam que éramos irlandeses na América, havia um tipo de IRA provisório acontecendo. Eu estava comovido com a coragem do Bobby Sands, e nós entendíamos como as pessoas estavam encorajadas a defendê-las, mesmo que não achássemos que aquela era a coisa certa a fazer. Mas estava claro que o Movimento Republicano estava se tornando um monstro a fim de derrotar outro monstro. Aqueles foram tempos muito perigosos na Irlanda – o nacionalismo estava ficando feio. Então preferimos ficar contra a ‘tricolor’ (a bandeira Irlandesa), e quando ela era jogada no palco, eu “desmontava” ela. Eu tirava a parte verde, e a parte laranja e só restava a parte branca do meio, e ela se tornava a bandeira branca. Um gesto simples, mas poderoso naquele tempo. Então, quando estávamos nos preparando para o álbum ‘War’, nós começamos a pensar em como era ser um irlandês. Nós tínhamos que examinar algumas dessas questões. Você realmente acredita em não-violência? Em que ponto você protegeria a si mesmo? Essas não são questões fáceis de resolver.”
Deste processo de envolvimento político de Bono, de um amadurecimento de conceitos pessoais, partiu o embrião do álbum. Irlandês até a medula. Politizado e emocional. Marcial e livre. Um disco importantíssimo e que fechou um ciclo na carreira do U2, porém, marcou-os para sempre.

E nada melhor que começar um disco assim definindo o que virá após. A faixa símbolo. Seu hino. Abrir o disco com ‘Sunday Bloody Sunday’ era muito representativo. De repente, aquela banda que falava sobre suas questões de adolescência em ‘Boy’ e sobre sua experiência com a religião em ‘October’ estava colocando o dedo na ferida de umas das questões mais importantes em seu país natal. Batida marcada e guitarra cortante como uma navalha.

Sobre a composição, Edge disse: “O primeiro esboço de ‘Sunday Bloody Sunday’ foi feito durante um dia particularmente depressivo, naquela pequena casa à beira do mar. Eu estava sozinho, nada estava dando certo e eu tinha brigado com a minha namorada porque eu estava trabalhando enquanto todo mundo estava de férias, então talvez eu devesse tirar férias também, ao invés de desperdiçar meu tempo tentando me tornar um compositor, já que, obviamente, eu não era bom nisso. Eu fiz a única coisa na qual podia pensar, que foi transferir todo meu medo, frustração e pena de mim mesmo para um pedaço de música. Eu peguei minha guitarra e deixei tudo isso se manifestar. Era apenas um esboço, um contorno, eu não tinha um título, um refrão ou uma melodia, mas eu tinha um estilo de composição e um tema. Se eu me lembro bem, minha linha de abertura era ‘Don’t talk to me about the rights of IRA, UDA’ … Era uma canção completamente antiterrorista.”


Bono desenvolveu a letra, lembrando-se de tudo que havia ocorrido não só no ano anterior, mas também sobre o famoso ‘Domingo Sangrento’, um confronto entre manifestantes católicos e nacionalistas e o exército inglês ocorrido em DerryIrlanda do Norte, no dia 30 de janeiro de 1972. O movimento teve início com uma passeata de dez mil manifestantes que pretendiam, saindo do bairro de Creggan em marcha pelas ruas católicas da cidade, chegar até a Prefeitura. Antes disso, entretanto, os soldados ingleses partiram para ofensiva e disparam contra os manifestantes deixando 14 ativistas católicos mortos e 26 feridos.

A faixa foi o segundo single do disco, lançada somente em alguns países da Europa.

Se o tema era a Irlanda na primeira faixa, na segunda, o medo e a ideia de paz passavam a ser globais. ‘Seconds’, pela primeira vez, com vocais principais de Edge. Aliás, é nesse álbum que ele começa a assumir deliberadamente a função de ‘cérebro’ da banda. Larry comentou sobre isso: “As músicas deixaram de ser vagas e pareciam estar um pouco mais concisas. Edge tinha realmente assumido o papel de diretor musical e Steve Lillywhite entendeu a proposta e parecia mais seguro como produtor, o que não quer dizer que tenha sido fácil.”


A faixa é nitidamente uma abertura de leque na carreira da banda. Depois dos teclados, introduzidos massivamente em ‘October’, Edge resolveu experimentar com outros instrumentos e o violão ganhou força aqui. Até os famigerados samples (utilização de pedaços de outras canções ou filmes) foram um recurso, aqui, retirados do documentário ‘Soldier Girls’.

Durante os anos 60 e 70 e, finalmente, no início dos 80, a guerra fria entre Estados Unidos e União Soviética (atual Rússia) manteve o mundo em suspensão, a espera por uma iminente guerra nuclear. E esse conceito de medo permeou a cultura pop. Dezenas de filmes e músicas foram feitos a respeito. ‘It takes a second to say good-bye. Push the button, pull the plug… Say good-bye!’


A música foi muito tocada ao vivo na turnê do álbum e posteriormente, na ‘Unforgettable Fire Tour’, porém, abandonada desde então. Uma das minhas preferidas até hoje.

Lançada como single no dia de ano novo de 1983, a terceira faixa do álbum, ‘New Year’s Day’, representou não só um clássico tocado até hoje nos shows da banda, mas deu também o primeiro hit nos Estados Unidos.

E tudo nasceu de uma tentativa de cover…

Sim!

Adam Clayton comentou sobre isso: “‘New Year’s Day’ começou como uma sessão de checagem de som. Eu basicamente estava tentando tocar ‘Fade To Grey’ do Visage, e tentando encontrar o intervalo correto. Algumas vezes nossos erros são nossos melhores trunfos…”


Não conhece o Visage? Veja:

Essa é pra quem acha que a música eletrônica só entrou na vida da banda muito tempo depois…
Aliás, para o single de ‘New year’s Day’ vários remixes foram encomendados para que a música fosse bastante executada pelos DJ’s. Lembro-me que no início dos anos noventa, quando eu comecei a sair, ela era obrigatória.

Porém, apesar de tudo isso, o tema da canção também era político. Ou pelo menos, de imagens políticas. “A letra da música circula em torno de imagens. Eu estou pensando em Lech Walesa, o líder da Solidariedade Polonesa,” segundo Bono.  “A imagem dele, em pé sobre a neve, um sentimento de que tendo abandonado a banda por Deus, nós queríamos começar de novo. E nós começaríamos mais uma vez, de um modo diferente, repetindo um lema que nós continuaríamos pelo resto das nossas vidas. ‘I will begin again. I will begin again’. A neve como uma imagem de rendição e cobertura e esses pequenos vislumbres de narrativa, na verdade, eram apenas desculpas para o tema que era Lech Walesa sendo preso e sua mulher sendo impedida de vê-lo. Depois, quando nós tínhamos gravado a música, eles anunciaram que a lei marcial seria suspensa na Polônia no Dia de Ano Novo – incrível!”



Mais recentemente, o DJ Ferry Corsten remixou a música e as versões acabaram inclusive na edição de aniversário de vinte e cinco anos do álbum, lançada em 2008.

‘Like a song…’, quarta faixa do disco, é quase que um pequeno pedaço do álbum ‘Boy’ neste disco. Um punk celta rápido e melodioso.  A canção é um grande ‘dedo do meio’ para o que acontecia na cena musical da época, cheia de pose e com pouca atitude. Pose que a banda acabou abraçando nos anos noventa, aliás.

O detalhe desta canção, assim como algumas outras do álbum, é que nunca foi tocada ao vivo…
‘Drowning Man’, quinta faixa e mais uma nunca executada ao vivo, é outra demonstração de evolução de Edge como compositor.  Violões e violinos conversam enquanto Bono constrói seu tema sobre as escrituras. Uma das mais lindas músicas escritas pela banda. No meu top 20 de todos os tempos. Sobre ela, Bono disse:“É uma faixa do Edge e uma parte do baixo do Adam. Ela tem um ritmo meio obscuro, como um 5/8, e eu improvisando à la Van Morrison, gemendo conforme as Escrituras. As letras das músicas ainda eram uma luta. Eu realmente não estava gostando de escrever em um caderno. Eu acordava na cama em posição fetal, e Ali dizia: ‘O que está errado?’ Eu respondia para ela, ‘Eu não quero levantar da cama. ’ E ela falava, ‘Você não quer escrever, é o que você quer dizer.’ Eu ainda não tinha me apaixonado pela palavra escrita. Eu estava me forçando a escrever, mas não estava fazendo um trabalho muito bom, porque eu meio que me rebelava contra isso. Ali estava literalmente me botando para fora da cama de manhã, colocando a caneta na minha mão.”


No livro ‘The Story Behind Every U2 Song’, de Niall Stokes, Edge disse “Muitas de nossas canções poderiam ser regravadas. Porém esta é perfeição…“


Eu concordo plenamente…

(Continua na Parte 2)


Márcio Guariba


UltraViolet-U2 no Twitter: https://twitter.com//ultravioletu2
UltraViolet-U2 no Facebook: https://www.facebook.com/UltravioletU2Brasil

2 Replies to “Especial War 30 anos: Os meninos vão à guerra”

  1. Esse disco para mim era história, pois só ouvi ecos dele. Sunday bloody Sunday e New year’s day, cuja letras foram o início de meu aprendizado da lingua inglesa… Hoje ele é fundamental, em todos os sentidos…

    Com certeza está entre os 5 mais na história da banda, em importância comercial e artística.

  2. Like A Song já foi tocada ao vivo. Vide link 

    Aliás, é um grande desperdício não terem tocado esta excelente canção mais vezes.

Comments are closed.