RIO DE JANEIRO (Reuters) – Afastado das câmeras por sete anos, o diretor Murilo Salles apresentou seu novo trabalho na noite de sexta-feira (27) na abertura da mostra Première Brasil, no Cine Odeon, parte do Festival do Rio BR 2002.

Seja o que Deus Quiser” segue a mesma linha adotada nas últimas produções nacionais, escalando atores negros e trazendo de volta à discussão o tema da inclusão social.

O próprio diretor admitiu ao subir ao palco antes da projeção que pretendeu refilmar, sob outra ótica, seu trabalho anterior, “Como Nascem os Anjos,” de 1996, no qual um grupo de garotos favelados entra na casa de um homem rico, para usar o banheiro, e acaba involuntariamente envolvendo-se numa ação violenta, com a chegada da polícia.

Em “Seja o que Deus Quiser,” a ação se inverte e são jovens brancos de classe média de São Paulo que envolvem um cantor negro de uma favela carioca num plano criminoso.

O tom é de comédia, com a ação se passando primeiro no Rio de Janeiro e depois em São Paulo, mas o fraco desempenho do elenco não permite que o diretor atinja seu objetivo plenamente. Exceção para o protagonista Rocco Pitanga (filho do veterano ator Antonio Pitanga), que faz sua estréia no cinema como protagonista, e de Marília Pêra, que interpreta uma impagável perua falida, mãe de um rapaz falsamente seqüestrado.

O filme começa com a chegada de uma repórter da MTV, Cacá (Ludmila Rosa), ao Complexo do Alemão, uma favela carioca, onde gravará entrevistas com músicos do morro. Durante as filmagens, ela conhece PQD (Rocco Pitanga), um pagodeiro simpático e insinuante que não tem muito trabalho em convencer a garota a ir a sua casa.

Na manhã seguinte, quando o rapaz sai para comprar os ingredientes do café, a casa é invadida por dois bandidos que agridem Cacá e a obrigam a tirar dinheiro de um caixa eletrônico. Ferida, a moça procura a polícia e dá queixa, envolvendo o músico como cúmplice do bando.

O rapaz foge da polícia e viaja a São Paulo, com a esperança de convencer Cacá a retirar a queixa, provando que não é um criminoso. Ele conhece o irmão da jornalista, Nando (Caio Junqueira), clubber viciado em drogas, que tenta convencê-lo a participar de um roubo para a compra de ecstasy.

O rapaz se opõe, mas a falta de dinheiro para voltar ao Rio o faz aceitar outro plano, idealizado por uma amiga de Nando: forjar o seqüestro do rapaz e obrigar sua mãe (Marília Pêra), a pagar o resgate.

DOMINGO SANGRENTO EM TOM DE DOCUMENTÁRIO

Se o filme de Murilo Salles injetou o bom humor carioca para falar de questões importantes vividas hoje pela sociedade brasileira, como criminalidade e discriminação racial, o diretor Paul Greengrass usou o tom documental em seu longa “Domingo Sangrento” para colocar o dedo numa ferida ainda não cicatrizada: o massacre ocorrido em 30 de janeiro de 1972 contra os participantes de uma marcha de protesto na Irlanda do Norte.

O Domingo Sangrento, como ficou conhecido o episódio, que inspirou a famosa canção do grupo de rock U-2, conta num ritmo tenso e seco as 24 horas que antecederam e encerraram a marcha em defesa dos direitos civis comandada por Ivan Cooper na cidade de Derry.

O movimento pacifista, inspirado em Gandhi e Martin Luther King, foi reprimido com extrema violência e serviu de pretexto para o recrudescimento da ação do Exército Republicano Irlandês (IRA), espalhando ainda mais o rastro de sangue na região que luta por sua independência — e que contabiliza hoje cerca de 3000 mortos no trágico balanço de conflitos ligados a ela.

O filme, vencedor do Urso de Ouro no Festival de Berlim deste ano, toma um claro partido em favor dos manifestantes, mostrando que a ação repressiva das forças de choque britânicas proporcionou um banho de sangue que poderia ter sido evitado e acabou com a morte de 13 pessoas, a maioria jovens na faixa dos 17 anos.

James Nesbitt, um dos poucos atores profissionais do elenco, é Ivan Cooper, um idealista que acredita no pacifismo para conseguir vencer a resistência das autoridades britânicas. Tanto que a marcha organizada por ele arrebanha homens, mulheres, velhos e crianças pelas ruas por onde passa.

Mas ele não sabe que os comandantes das forças policiais se preparam para dar uma dura lição aos manifestantes, encurralando-os num beco sem saída. As balas de borracha foram substituídas por munição real e os opositores se transformaram em alvos móveis fáceis de serem abatidos. (Luiz Vita, do Cineweb, especial para a Reuters).