A recente disparada da moeda americana faz produtores cancelarem apresentações de artistas estrangeiros por aqui e se armarem de muita cautela na hora de fazer novos convites e negociar os cachês dos astros

São Paulo – A alta do dólar chegou ao show biz. O que seria uma das épocas mais férteis de atrações internacionais por aqui acabou se tranformando em um ano de cautela para os produtores. Se o atentado de 11 de setembro derrubou apresentações no início do ano porque os artistas ficaram com medo de viajar de avião, a recente disparada da moeda americana derruba negociações com popstars porque os produtores estão com medo de naufragar.

O Free Jazz, por exemplo, pode ter despedida melancólica. A Souza Cruz, por força de lei antitabagista, não poderá mais patrocinar o evento a partir do próximo ano. Sua última edição, em era de cachês triplicados, deve ser reduzida. A empresa não confirma as informações, mas não nega que luta para se adequar.

Não temos ainda o desenho final do Free Jazz deste ano. Formato, praças e casting ainda estão sendo analisados”, responde a direção. Informações não oficiais cogitam que o evento terá menor número de atrações.

O Kaiser Music fez uma parceria com a produtora CIE do Brasil para sobreviver depois de perder a Clear Channel. No início do ano, anunciou uma lista de artistas na qual o público deveria votar. Os mais votados seriam trazidos para o Brasil. Entre eles estavam Lenny Kravitz, Pearl Jam, Radiohead, Oasis, Aerosmith, U2, Limp Bizkit, Jimmy Page, Santana, Yes e Pearl Jam. Nenhum virá este ano.

A Kaiser se aliou à CIE levando em conta a alta do dólar. Estamos negociando outros shows e vamos informar as novas atrações”, diz a empresa por meio de sua assessoria de imprensa.

Gastos nas nuvens – Para se ter uma idéia dos gastos envolvidos na vinda de um artista, se o cachê cobrado por ele é de US$ 100 mil, a produção deve ter quase outros US$ 100 mil para gastar com passagens aéreas, hospedagem, transporte e comida para toda a equipe. “Só não pagamos o presente que o artista compra para a mulher”, brinca o diretor da Via Funchal, Jorge Maluf.

Maluf estava tentando trazer Natalie Cole e Lenny Kravitz para apresentações em São Paulo, mas desistiu da idéia em razão das oscilações da moeda americana. Ele explica que, no caso de Lenny Kravitz, seria preciso um parceiro muito forte e produtores de outros Estados interessados em contratar shows do cantor.

Ele cobraria uns US$ 300 mil para fazer apenas um ou dois shows em São Paulo, mas se a gente conseguisse organizar outros quatro no Rio e em Porto Alegre, por exemplo, o cachê cairia para US$ 100 mil. O músico deixaria o Brasil com pelo menos meio milhão de dólares.” Só os ingressos não seriam suficientes para pagar Kravitz. “Sem dúvida, a gente precisaria de um grande patrocinador”.

O produtor esclarece que, para vir ao Brasil, o músico precisa estar em turnê mundial, caso contrário ninguém não cruza mares para se apresentar. Quando reserva na agenda os shows no País e assina o contrato, quer receber 20% do cachê adiantado.

Conforme vamos vendendo os ingressos, vamos pagando as parcelas seguintes e quando o show for feito o artista deve ter recebido o dinheiro total.” Se o produtor quiser adiar o show em razão do aumento do dólar, por exemplo, perde o sinal dado anteriormente. “E a casa de shows e o País ficam malvistos entre os artistas. Se não der para pagar, é melhor nem chamar.”

Por esta razão, o show de Natalie Cole foi adiado, já que Maluf temia não poder honrar os compromissos do contrato. A reviravolta do mercado não impediu que vários shows programados pela Via Funchal fossem mantidos, mas Maluf admite que terá de repassar os gastos para o preço dos ingressos.

O produtor Cassio Leite, que está levando o grupo norueguês A-Ha e a cantora Gloria Gaynor para a festa de Barretos, também vai cobrar mais para que o público assista às atrações. “O show de Gloria será em uma casa de shows, com capacidade para 2,5 mil pessoas e vai ser inevitável fazer um repasse. Já no caso do A-Ha, a cobrança, se existir, será menor, porque eles estarão num estádio com capacidade para 40 mil pessoas e posso ganhar na quantidade”, diz Leite, que revelou o valor do cachê de A-Ha: US$ 100 mil.

Já os empresários e produtores da área do jazz garantem que irão honrar seus compromissos e que não repassarão o aumento dos custos para a bilheteria. O Bourbon Street, que inicia na próxima semana sua série Diners Club Jazz Nights com James Carter, não cancelará nenhuma das atrações (as outras são Nnenna Freelon, Regina Carter e Norah Jones). É o que garante, Edgard Radesca, sócio da casa. “A alta do dólar está tendo um grande impacto. Mas os acordos serão cumpridos, mesmo que tenhamos de fazer alguns shows no vermelho.”

Toy Lima, responsável pelo Chivas Jazz Festival e Natu Blues Festival, faz uma sugestão ao governo para que o mercado encontre um equilíbrio. “A Receita Federal precisa fazer uma reavaliação sobre os impostos que pagamos. Atrações de grande popularidade pagam o mesmo que nomes pouco conhecidos que não serão vistos por milhares de pessoas. É injusto.”

Larissa Squeff e Júlio Maria