A imprensa internacional assistiu a um “trailer” de 20 minutos de Gangues de Nova York em Cannes há poucos dias. O novo filme de Martin Scorsese, estrelado por Leonardo DiCaprio, Cameron Diaz e Daniel Day-Lewis, já teve previsões de se tornar tanto uma obra-prima quanto um grande fracasso (a resposta definitiva só deve aparecer em dezembro, quando a produção chega aos cinemas). Mas uma coisa é verdade: a realização da fita foi uma das mais problemáticas do cinema americano desde Titanic.
Gangues de Nova York tem a missão de tentar reaquecer a carreira de DiCaprio (resfriada pelo fracasso de A Praia) e de colocar Scorsese na corrida pelo Oscar. Em um mundo perfeito, a produção também poderia virar um dos maiores sucessos da Miramax (já que é o filme mais caro produzido pelo estúdio nova-iorquino) e abrir caminho para novas fitas de época em Hollywood. O sucesso da prévia mostrada em Cannes é a primeira luz no fim do túnel, já que, até agora, as únicas notícias associadas ao filme eram em relação aos problemas enfrentados durante a realização.
Scorsese passou quase 30 anos planejando adaptar o livro escrito por Herbert Asbury em 1927 sobre a guerra das gangues de imigrantes em Nova York no século 19. Em 2000, o diretor finalmente conseguiu US$ 84 milhões e seguiu para os estúdios da Cinecittá, em Roma, para rodar a saga. As filmagens foram problemáticas porque o chefão da Miramax, Harvey Weinstein, passou a fazer constantes visitas ao set para controlar o orçamento (que acabou pulando para US$ 97 milhões). As brigas entre os dois viraram lenda – assim como as inúmeras versões do roteiro, que não estava pronto quando os trabalhos começaram.
Uma das maiores divergências foi a construção de uma igreja: Weinstein achava que só a fachada já produziria o efeito desejado, mas Scorsese insistiu em criar o prédio todo, para poder fazer um take de 360º. Nesta disputa, Tom Cruise, que visitava o set na época, acabou se envolvendo e ajudou a convencer Weistein a liberar os US$ 100 mil necessários para a construção da igreja. Tanto o diretor quanto DiCaprio concordaram em devolver parte de seus salários para ajudar a pagar a conta estourada.
Oito meses depois, o cineasta voltou a Nova York e começou a editar o filme, que deveria estrear em dezembro de 2001. Recheado de cenas de violência, a produção virou um problema instantâneo com os atentados terroristas de 11 de setembro. “O filme lida com a formação de Nova York e com a polícia, então tivemos que parar para pensar em tudo novamente depois dos ataques”, disse Scorsese à revista americana Entertainment Weekly.
Durante a produção, ele ainda arrumou tempo para terminar outro projeto, Minha Viagem à Itália , um documentário de quatro horas de duração sobre a história do cinema italiano, financiado por Giorgio Armani e exibido no New York Film Festival, em outubro. Na época, Scorsese parecia esgotado com o interminável processo criativo da saga. “Foi muito bom trabalhar neste documentário depois de passar tanto tempo preocupado com aquela coisa que se tornou Gangues de Nova York”, disse ele à imprensa.
O problema seguinte foi a duração da fita: o diretor, que passou um ano editando A Época da Inocência e Cassino, insistia em fazer uma versão de quase quatro horas de duração. Apesar de ter controle sobre a versão final, Scorsese acabou conseguindo cortar a duração para duas horas e quarenta minutos. Weinstein, por sua vez, conseguiu convencer o U2 a gravar uma música inédita para os créditos. The Hands That Built America foi apresentada há poucos dias no TriBeCa Film Festival, em Nova York.
As primeiras sessões de testes e a promoção em Cannes foram positivas – o que dá sinais de que o filme pode lembrar Titanic também nas bilheterias e na premiação da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas de Hollywood. E com mais seis meses para montar um gigantesco esquema promocional nos Estados Unidos, Gangues tem tudo para usar todas as histórias sobre os problemas de produção a seu favor. Isso, claro, se o filme não tiver de enfrentar nenhum um outro imprevisto.
Guto Barra/Planet Pop