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O que significa essa tatuagem no seu braço?

O que significa essa tatuagem no seu braço?

Angela Kuczach é bióloga, ambientalis e Diretora Executiva da Rede Pro UC, organização não governamental advocacy que trabalha pelos Parques Nacionais do Brasil. Em 2014, foi eleita uma das 100 pessoas mais influentes do Brasil. Chorou 24 horas seguidas depois desse encontro com o Bono.

Essa pergunta, eu tenho ouvido com frequência nesse último mês… A resposta? Tem a ver com um antigo poema de Willian Blake.

Esses têm sido tempos difíceis para a humanidade… E num mundo cada vez mais pasteurizado e superficial, é uma sorte ter como companhia e influência alguém que impulsione para frente e inspire a caminhar no anti-fluxo do caos. No meu caso, tem a ver com uma das últimas grandes bandas de rock do nosso tempo. Mais do que música, os mais de 20 anos de amor incondicional ao U2 me levou aos lugares mais inusitados, sejam geográficos – como às vezes em que estive na Irlanda exclusivamente para vê-los – ou as profundezas da alma, sendo estas, as viagens mais frequentes e que me fizeram ser quem eu sou.

A influência desses 4 irlandeses na minha vida é “indimencionável”… Vai das músicas ao ativismo, da fé na vida à vontade de mudar o mundo. Eu brinco que o Bono é o meu relacionamento mais antigo, está comigo há mais de 20 anos. Lembro que ainda no início da adolescência, eu sonhava em viajar pelo mundo e, nas noites de inverno curitibano, olhava para o céu e pedia… Pedia força e coragem para nunca deixar de olhar para um céu estrelado. O que eu estava pedindo, na verdade, era para não deixar de sonhar e de ouvir minha alma. Eu fazia isso ao som de U2.

Vida vai, sonhos vêm, alguns se realizam, outros não. E lá pelas tantas, você oscila. Com a devida licença poética: “Tempo de sonhar, tempo de acreditar; tempo de viver, tempo de sobreviver”. E não é difícil que a certa altura da vida, a esperança que acompanha os sonhos seja soterrada pela dureza da rotina. Nessas horas, ecoa na cabeça aquela cena de Rocky Balboa: “O mundo vai tentar te colocar de joelhos e não importa o quanto você consiga bater, o que importa é o quanto você consegue apanhar e se manter de pé”. No meio do caos que é a vida de adulto, graças a Deus, ainda existem os shows do U2.

Outubro desse ano, São Paulo. Seriam quatro shows e muitas expectativas. Como a maioria dos fanáticos que fazem parte dessa seita, apenas estar lá não bastava! Tinha que ser da primeira fila! Não! Tinha que ser na primeira fila e na frente da banda! Dias antes do show, internet bombando: “Como será a entrada? Com segurança, como é no resto do mundo, ou o velho esquema do salve-se quem puder?” Caos, confusão… Meu Brasil brasileiro é para os fortes… Nervos e coração a mil!

Chego em São Paulo 2 dias antes do show… 16h00… Um boato: “O U2 pode estar se dirigindo para o prédio da TV Globo, para gravar alguma coisa no heliporto”.

Bom, todos sabem que nossos irishs curtem um terraço de prédio e já no carro – a caminho de outro local – eu e um amigo resolvemos ir até lá para ver o que aconteceria. Portão da Globo, pouca gente, Outnenhum boato confirmado.

Eu já fui à Meca (Dublin) duas vezes e em ambas, fiz a romaria pelos “U2 points”, mas pra falar a verdade, nunca esperei nada. Era mais uma vontade de reviver alguns passos deles, saber por onde andaram. Coisa de fã que tem curiosidade sobre o ídolo. Então esse tipo de tietagem era novidade pra mim e sinceramente não sabia o que esperar. Talvez ouvi-los tocar lá de cima, sei lá. Só que as melhores partes da nossa vida não são desenhadas pela nossa imaginação.

Lá estava eu, naquela rua de SP, num final de tarde de uma terça-feira, quando aqueles 3 carros pretos viraram a esquina. O carro para, o segurança desce e avisa: “Eles vão fazer algo muito rápido lá dentro e voltam aqui pra dizer um oi pra vocês”. Numa hora dessas, o cérebro, talvez por auto preservação, te prega peças. Você simplesmente não realiza o que está para acontecer…

Ficamos por ali, mais alguns fãs chegam e eu vou fazer umas fotos a partir do edifício da frente. É quando a realidade bate: a pouco mais de 100 metros da lente da minha câmera estão aqueles caras que me acompanham há tanto tempo, que quase são parte da minha família. A pouco mais de 100 metros da minha lente, meu melhor amigo irlandês ri, conversa, ensaia e se prepara para uma apresentação. A 100 metros da minha lente, ele se torna real!

Voltamos à entrada da Globo, onde os seguranças já organizam a fila e orientam como será o encontro com a banda. Bono irá apenas autografar, por conta da agenda apertada não haverá tempo para fotos individuais. Nervosismo, expectativa… Eu, rindo, apenas peço aos amigos que estão comigo que, caso “desmaie, gagueje ou esqueça como falar em gaélico, inglês ou português, alguém – por favor – estique meu braço e peça para que ele desenhe algo para eu tatuar”.

Ele vem. E como a vida é caprichosa, eu estou no meio da fila, há tempo para o cérebro realizar o que está acontecendo e acalmar o corpo.

Ele vem. Para em minha frente:

– My dear friend.

– Yes.

– I think that… I need a new tattoo.

Um olhar divertido, ele pega o meu pulso, com toda calma do mundo, desenha. Assina.

– Thank you so much

Ele me olha, aperta minha mão:

– Be carefull…

Ele sai

– Thank you for all.

Ele volta.

Me olha nos olhos…

E o mundo pára.

“Ver o mundo em um grão de areia e o céu numa flor selvagem.

O infinito na palma da mão, a eternidade em um instante”.

O poema de William Blake, que sempre me intrigou, nesse instante ganha sentido. Um segundo pode ser eterno e o universo pode ser visto por inteiro no fundo de um par de olhos azuis.

Algumas pessoas já me disseram que quando o Bono olha nos olhos parece que enxerga a alma, e que isso seria parte do seu arsenal carismático, que fez com que dobrasse gente como George Bush e o fizesse investir em ajuda humanitária na África. Eu posso atestar que é verdade. Só que não foi o que ele viu em mim ou como ele me olhou que fez o eixo do meu mundo mudar de lugar. Foi o que eu vi nele…

Esses têm sido tempos difíceis para os sonhadores, para os que acreditam em um mundo melhor, para os não superficiais e para aqueles que ainda ousam seguir o coração. Num mundo com tanto barulho, às vezes, torna-se difícil ouvir a si mesmo.

Como uma bióloga conservacionista, uma ativista ambiental, vivendo no Brasil onde a gente anda um passo para frente e dois para trás, é difícil depois de 18 anos de briga não cansar. Administrar os desafios da vida, o caos do mundo e uma luta interminável, por vezes, nos coloca de joelhos.

E eu estava de joelhos.

Eu me sentia descrente e cansada, atravessando o período mais dark da alma.  Não sei dizer exatamente quando começou, mas durante meses esse ano, eu olhei no espelho e não reconhecia quem me olhava de volta. Várias vezes, me peguei perguntando a mim mesma quais eram os meus sonhos, o que me movia naquele instante, e ouvia o silêncio como resposta. A força que eu sempre me orgulhei de ter e de ser minha principal característica, de repente, parecia ter me abandonado… Durante os dias mais negros, eu olhava para o céu e não fazia a menor ideia de onde estavam as estrelas.

E foi no fundo daquele par de olhos azuis que o desencanto se quebrou.

Eu não sei explicar o que aconteceu ali, e acho mesmo que magia não se explica… No todo, meu encontro com Bono durou uns 30 segundos, e pra quem olha de fora o momento olho no olho não deve ter sido mais que um segundo. Não é verdade. Einstein estava certo… O tempo é absolutamente relativo. Se tiver que definir aquele momento, tem a ver com encontro, resgate e redenção… Em enxergar a plenitude do um amor gigante pelo mundo… O reflexo da alma… Tudo isso esteve presente naquele momento em que o tempo parou.

O Bono tinha tudo para dar errado. Ele poderia ter se agarrado nas milhares de desculpas que estavam ali, a mão: podia culpar o país – não esqueçamos que a Irlanda sempre foi o patinho feio da Europa ocidental e, além de tudo, nas décadas de 1970 e 80 era assolada pelo terrorismo do IRA –; podia culpar a falta de dinheiro de alguém que vivia na periferia de uma cidade provinciana como Dublin; a falta de educação, já que o pai mesmo nunca o incentivou a estudar; e, acima de tudo, ao fato de ter ficado órfão de mãe aos 14 anos de idade, durante o enterro do avô e a relação complicada com o pai que veio a seguir. Ser mais um na multidão era o esperado.

Só que no fundo daquele par de olhos azuis não mora qualquer alma…

O ativismo do Bono nunca foi leviano, ao contrário, o cara é um estrategista nato que carrega um amor gigante pelo mundo e muita raiva das injustiças naquele coração de poeta irlandês. Olhar para ele e para essa banda, ver de onde esses caras saíram, aonde chegaram e o que arrastaram no caminho é mais que uma inspiração. É praticamente um tapa na cara, desses que te fazem acordar para a vida de um jeito irreversível.

Saí do encontro com ele e entrei num estúdio de tatuagens. A garota que quando criança procurava trevos de 4 folhas no caminho da escola agora traz um shamrock, o símbolo da sorte irlandesa, gravado na pele.

Voltei pra casa com a certeza que os dias vividos em SP estarão entre os melhores momentos da minha biografia: os shows foram uma egrégora a parte, os amigos foram um plus de encher a alma de luz… Mas, acima de tudo, voltei pra casa com uma vontade louca de viver! Os sonhos restaurados, a capacidade de enxergar minha estrela-guia de volta no céu, sempre apontando pra onde eu devo ir:  ajudar a cuidar melhor dos jardins naturais desse mundo lindo que a gente vive e a despertar o máximo de pessoas possíveis para a beleza desses jardins, até que a gente entenda que o jardim também somos nós.

O que essa tatuagem significa?

A devolução daquilo que sempre me pertenceu: uma fé inabalável na vida!

Uma conversa para se ter em um pub com o meu melhor amigo irlandês… E poderia ser ao som de Sunday Bloody Sunday!

Uma conversa para se ter em um pub com o meu melhor amigo irlandês… E poderia ser ao som de Sunday Bloody Sunday!

Por Angela Kuczach

Bióloga – diretora executiva da Rede Nacional Pró Unidades de Conservação.

Eleita uma das 100 pessoas mais influentes do Brasil, pela revista Época, em 2014.

Amazônia

 

Dias atrás conversando com uma amiga sobre esse culto ao Bono, doença crônica da qual sofro há uns 20 anos, disse a ela que se eu pudesse escolher um pedido u2maníaco para o Universo, seria ter uma conversa de bar com o meu melhor amigo irlandês.

Ser fã do U2 é coisa séria. Os surtados que seguem a banda pelo mundo e se entregam à egrégora criada em um show em músicas como Where the streets… ou Walk On, sabem disso. Só que não há nada nesse mundo que não possa piorar…

Como uma banda formada por irlandeses crazy-caxias, cristãos e altamente politizados, as influências que eles têm sobre nós podem ser inúmeras, variando de espiritualidade, obsessão pela Irlanda ou militância política.

No meu caso, começou há mais ou menos 20 anos…

Aos 13 anos, eu era uma adolescente marrenta, rebelde, sonhadora e querendo desesperadamente uma causa perdida para lutar. Bem… Na época, acho que nem sabia direito o que era uma causa perdida, talvez para combinar com o ar intempestivo que eu adorava ter, achasse que a causa perdida em si era eu e o quanto não me encaixava no mundo. No fundo, só o egocentrismo de uma adolescente leonina.

Naqueles dias, eu sonhava em viajar o mundo, conhecer o máximo de belezas naturais que pudesse e “nunca deixar de olhar para um céu estralado”. Naquela época também, ficava cada vez mais claro que esse era um sonho caro. Desistir estava fora de cogitação, então a opção era buscar um jeito de viabilizar.

Por gostar de escrever, aos 14 anos, decidi ser jornalista. E por gostar muito mais da aventura e da liberdade em meio a natureza, aos 15, achei que biologia fazia mais sentido. Uma rebelde inveterada com um certo complexo de heroína, me meter em encrenca era algo frequente. Era comum me encontrar com a cara pintada no pátio da escola, onde só eu protestava “contra a venda da Vale” ou algo que o valha.

Como nada na vida é o por acaso, um belo dia, depois de uma discussão familiar em que o pai ou a mãe proferem aquele famoso discurso “enquanto você viver sob o meu teto e eu pagar as tuas contas você faz o que eu mandar” – mais clichê do que nunca – bati a porta e prometi arrumar um emprego “para me sustentar e fazer o que eu quiser”.

Parque Nacional da Serra da Canastra

Acabei estreando minha carteira de trabalho como “atendente de lanchonete do McDonalds”, e, se o tal emprego foi em si uma experiência para não ser repetida, ele me trouxe uma coisa boa: foi lá, com o meu chefe na época, que eu conheci e aprendi a gostar de U2. Eu tinha 15 anos, e na letra de músicas como “Sunday bloody Sunday” “pride”, “bad” e “MLK” eu me encontrei.

Naqueles dias de sede por algo maior, conhecer a história de Martin Luther King ou a guerra religiosa-separatista vivida na Irlanda através das músicas do U2, me trouxe a amplidão de horizonte que eu tanto ansiava. Acho, porém, que foi 4 anos depois, quando passei no vestibular para biologia, que eu comecei a entender a dimensão que essa banda teria minha vida.

Ainda na faculdade, eu entendi que Conservação da Natureza, antes de mais nada, é uma missão de vida, que para ser um conservacionista de verdade o sangue precisa acelerar nas veias, o coração precisa bater mais forte. E o meu batia. Era a causa pela qual um dia pedi e pela qual valeria a pena lutar, da qual depende o futuro de todos nós – sem xiitismo, mas é isso mesmo. Nesta época, estudava para as provas ao som de Beautiful Day.

Minha paixão, além do U2, eram os grandes predadores e durante toda a graduação, eu me dediquei às onças-pintadas e pumas pelos rincões do Brasil. Depois de me formar, o amor pelos felinos selvagens que, eu imaginava, me levariam para os confins da África ou da India, me levaram na verdade para o centro-político das discussões.  Ter o ativismo junto com a biologia correndo no sangue era uma combinação explosiva demais para me levar para os lugares inóspitos que sonhava. Mais fácil acabar no meio de alguma passeata para que esses lugares continuassem existindo.

Como não poderia deixar de ser, fui trabalhar em uma Organização Não Governamental (uma ONG) que tem como missão a conservação de áreas protegidas, como os Parques Nacionais. Uma forma de mantermos o mínimo de recursos naturais, frente às necessidades cada vez maiores de uma população de sete bilhões de pessoas e que continua aumentando… Muita gente, muito consumo. Só um planeta.

Idas e vindas da vida – mudanças de emprego, mas nunca de rumo – a dificuldade de se defender uma causa que não afeta a vida das pessoas de forma imediata. Ainda mais no Brasil. A certeza de que nasci pra fazer isso, não necessariamente como uma escolha, mais como uma missão, uma benção e uma maldição. O ônus e o bônus de ter nascido ativista por natureza… E em certos dias só a voz do Bono me salvava.

Eu e ele_Sao Paulo 2011

No meio disso, descubri a ONE Campaign. Inspiração pura! Tudo aquilo que eu acredito: “ser você a mudança que se deseja para o mundo –  Gandhi”, trabalhar em prol da mudança positiva. Olhar para a solução e não para o problema. Fé. Esperança. Coragem. Uma boa briga é aquela que você luta gargalhando! Combater o bom combate e não cair na tentação fácil da lamúria e da vitimização. Mudar o mundo é possível… e é uma grande aventura!

Não por acaso a ONE é uma organização advocacy, ou seja, que trabalha de forma articulada com outras instituições em prol de uma causa. Não por acaso a minha ONG é advocacy. E quando o termo mal era conhecido no Brasil – até “esses dias” atrás – eu entrava no site da ONE babando nas ações q eles desenvolvem, na comunicação, na forma que atuam, e pensava: “É isso! É desse jeito que eu quero trabalhar… só que para a conservação!” De novo, Bono me apontando o caminho e naquilo que eu menos esperava…

Olhando pra trás, não mudou muito da adolescente de 15 anos para a mulher de 35. As lutas hoje são mais reais, os embates muito mais duros e agora não se trata mais de “sonhar em mudar o mundo” e sim de encontrar uma forma de efetivamente fazê-lo. Mas no fundo, acho que quem acredita que pode mudar o mundo não amadurece no sentido cético da palavra. A esperança precisa de uma certa dose de ingenuidade, de uma fé no impossível.

Casa do Bono

Vinte anos depois, e hoje como diretora executiva dessa mesma ONG advocacy que defende os Parques Nacionais do Brasil, eu continuo buscando inspiração no ativismo do Bono para desenvolver o meu trabalho. Na verdade, cada vez que vejo as apresentações de One, em Chicago (2005), e Walk On, na 360° Tour, parte da minha fé na vida se renova. Cada vez que vejo um discurso do Bono dizendo que nós podemos sim mudar o mundo, eu me identifico. Quando ele diz que: “celulares são aparelhinhos muito perigosos e que querem a nossa voz”, eu entendo no fundo da alma o que ele está dizendo. Me sinto olhando na mesma direção.

Meu melhor amigo irlandês me dá músicas lindas, a voz familiar e reconfortante dele em uma canção, me dá a sensação de estar em casa, e meu amor por ele me levou até a Irlanda, uma das melhores experiências que a viajante de alma aqui já teve, mas o que meu melhor amigo irlandês trouxe de mais forte para minha vida até hoje foi essa fé inabalável na vida. O sonho quase palpável de que mudar o mundo é possível, de que apesar de tudo, hoje estamos melhor do que ontem como humanidade, e onde a maioria das pessoas enxerga um problema, ele me ensinou a enxergar um desafio, uma oportunidade. Uma aventura!

Não sei dizer até onde minha visão de vida é intrínseca e até onde o Bono me influenciou. Sei que, no meio disso tudo, quando olho para o “factivismo” dele. eu me sinto menos sozinha no mundo. Sinto que numa conversa de bar a gente se entenderia. Coisa de gente louca é claro… Mas quem é louco o suficiente para achar que pode mudar o mundo, é capaz de acreditar em qualquer coisa e torna-la possível.

 

Atual 3_ sede da Rede Pró UC