“Achtung Baby”; “Everything You Know Is Wrong”

“Achtung Baby”; “Everything You Know Is Wrong”

/// “Everything You Know Is Wrong” ///

Dezembro de 1989. Dublin, Irlanda. Num dos últimos shows da “Lovetown Tour”, que divulgou o comercialmente bem sucedido, mas massacrado pela crítica, “Rattle And Hum”, o U2 toca um set list coeso, impecável e enfadonho. Cheio de hits, emanando a cultura americana, o U2 tinha se tornado uma banda enorme. Destinada a se tornar um dinossauro. Se colocando num pedestal de gente que estava no passado. E uma banda com dez anos de vida, que já tinha alcançado tudo o que seria possível até então, estava apenas contando as doletas e se preparando para um futuro medíocre e repetitivo. Como o Queen durante os anos oitenta; Ou os Stones nos anos oitenta e noventa… Não seria cedo demais?

Mas numa música daquele show, talvez algo estivesse nascendo; “God Part Two”, pretensiosa ‘continuação’ de uma das mais memoráveis e controversas canções de Jonh Lennon, uma frase chamava a atenção;

Don’t believe in the 60’s, The golden age of pop
You glorify the past, when the future dries up
Heard a singer on the radio late last night.
He says he’s gonna kick the darkness ‘til it bleeds daylight
I… I believe in love”

Ao final daquele show, Bono profetizava que eles tinham chegado ao final de algo e que precisam sonhar tudo de novo. E alí começava uma viagem sem volta. Uma viagem que os levou aos confins de tudo o que acreditaram. E se eu sou fã de sua música até hoje, o que viria a seguir foi o motivo.

Os caminhos da banda começaram a se entortar. Depois dos últimos shows daquela turne, no ínicio de janeiro de noventa, Larry e Adam tiraram umas férias e Edge começou a se interessar por algo totalmente diferente do que a banda vinha seguindo até então; Dance Music e música Industrial alemã. Sem certeza do que viria a seguir, chamou Bono para colaborar com ele na trilha de uma versão para o teatro de “A Laranja Mercânica”. “Alex Descends Into The Hell For a Bottle Of Milk Korova”, lançada posteriormente como B-Side foi o resultado, e muitos se assustaram. Mesmo já tendo feito experimentações eletrônicas antes, como “Race Against Time”, lançado como B-Side de “Where The Streets Have No Name” em 87, a sonoridade era diferente, extrema, dançante e instrumental. Nenhum fã ficou assustado, já que aquilo era um projeto paralelo afinal…

No final de 1990, a banda foi convidada a regravar “Night And Day”, cover de Cole Porter para o então projeto “Red Hot And Blue”, que teria seus lucros revertidos ao combate á AIDS. Lembro-me como se fosse hoje; De hora em hora, na MTV, o clipe estreava. O visual ainda era o que todos se lembravam; Bono cabeludo com suspensório e sem camisa, Edge cabeludo e de lenço, Adam e seus oclinhos e Larry sendo o Larry… Mas o som…

Dark, sexy e, principalmente, eletrônico. Um susto pra quem estava assoviando “Angel of Harlem” até então.

Durante 1991, boatos rondavam a mídia… Até que “Salomé”, um bootleg que continha uma sessão inteira de gravação realizada em Dublin no início daquele ano, chegou ao mercado negro. A estrutura de várias canções que viriam a ser lançadas já estavão lá, mas algo estava errado. As músicas eram roqueiras, aliviando os puristas, mas o clima era diferente. Bowie e Roxy Music vinham imediatamente a cabeça.

Restava somente esperar até o final do ano. E ele veio. E trouxe “The Fly”

Mesmo depois das últimas músicas, ninguém estava preparado pra ouvir aquele som. Eu estava lá. Eu presenciei uma banda ser desconstruida na cabeça de seus fãs. Ninguém entendia nada.

Tudo escuro, Bono vestido de couro da cabeça aos pés, Edge usando uma touca e calças Glitter tocando uma guitarra com sonoridade pesada sob uma base que mais lembrava a então cena emergente de Manchester; Sincopada e dançante. Letras eram cuspidas e atiravam pra todos os lados;

It’s no secret that a friend is someone who lets ya help
It’s no secret that a liar won’t believe anyone else…
It’s no secret that a conscience can sometimes be a pest
It’s no secret ambition bites the nails of success
Every artist is a cannibal, every poet is a thief
All kill their inspiration and sing about their grief”

Imaginem os fãs… “Cadê o Bono? O que o Larry está fazendo com essa camisa do Ramones?” Foi lindo… Ali, eu me apaixonei.

Everything You Know Is Wrong”.

Esse era o lema.

E então, em novembro, o melhor disco dos últimos trinta anos foi lançado; “Achtung Baby”.

Tudo foi propositalmente feito para confundir a audiência. No lugar do preto-e-branco sóbrio de outrora, as cores estouravam nos olhos. No lugar da América, entravam a Alemanha reunificada e a África misteriosa.

No lugar de hits, canções. No lugar do passado, o futuro. Uma banda estava renascendo.

E já na abertura, tinhamos exatamente o que eles queriam passar; “Zoo Station” é um rock industrial metálico, pesado, cínico. A voz de Bono está quase irreconhecível. O discurso, amplifica o sentimento de dúvida que a nova década trazia, mas o medo não passava pela cabeça deles… Eles estavam prontos para o gás do riso… Para o empurrão…

Even Better Than The Real Thing” da continuidade ao disco num clima sensasional. Um rockão Glam setentista, com voz propositalmente sexy. “Meu coração está no seu devido lugar, mas minha cabeça, está em algum outro lugar”… Dela, surgiram remixes fantásticos… O melhor deles, até ganhou um vídeo engraçadíssimo… Assista e acredite; Essa é a mesma banda que posava de mártires do rock há menos de três anos.

Durante o período de gravações em Berlin, a banda passou maus bocados. As coisas não estavam se conectando. A vontade de experimentar de Edge e Bono não estavam sendo bem aceitas por Larry e Adam, e no meio, estavam um monte de idéias inacabadas. Quando tudo parecia perdido e a banda se preparando pra abandonar o barco, veio “One”…

Ela é a bóia do disco. Um alívio no meio do caos. “One” é uma força avassaladora. Narrada do ponto de vista de um filho morrendo em decorrência da AIDS, conversando com seu Pai, ela chegou ao coração de músicos, críticos e, claro, do publico. É, com certeza, a melhor canção escrita nos anos 90.

A seguir, outro clássico. “Until The End Of The World” foi originalmente lançada em 1990, numa versão um pouco diferente, para a trilha do filme homônimo, dirigido pelo alemão Wim Wenders. Essa faixa cresceu muito ao vivo, ganhou uma energia que á transformou numa faixa obrigatória em 90 por cento dos shows que vieram á seguir. A idéia da faixa é uma narrativa sob o ponto de vista de Judas, sua visão dos salmos… Melhor música da banda pra muita gente.

Teve um clipe pouco visto e praticamente renegado pela banda.

Who’s Gonna Ride Your Wild Horses” foi o quinto single do álbum e foi remixada para o seu lançamento, numa versão, talvez, mais aceitável para o público americano. Uma das reconhecíveis do bootleg “Salomé” (lá, batizada de “Don’t Turn Around”), é uma balada galopante (perdoem-me o trocadilho), pungente e… Cafona! Scott Walker, cantor de voz grave dos anos sessenta, foi uma grande influência de Bono no disco. Agora, ele ‘interpreta’ as canções, não as vive.

A faixa seguinte foi um desafio para a banda; Originalmente uma balada acústica, “So Cruel” não combinava com o clima do disco. Nenhum problema quando se tem Flood, engenheiro de som da banda, que recortou uma batida de Larry, á processou com filtros eletrônicos, encheu de pianos e deixou a tarefa de criar um ‘mood’ com Bono. Mais uma vez, Scott Walker é presença aqui. A letra, uma metáfora sobre separação e dor. Um recadinho para Edge e sua ex-exposa, que pasavam por um divórcio incomodo para todos que os rodeavam.

Depois, temos “The Fly”, que nos leva devolta pra o espaço. E para tirarmos o capacete e tentarmos respirar, vêm “Mysterious Ways”. Mesmo sendo o oposto do primeiro single, esta é luz, doce, quente, colorida… Porém, é tudo o que o U2 nunca foi; Sexy.

O clipe sensacional dirigido por Stéphane Sednaoui no Marrocos, mostrava a banda pronta para um mundo novo. O poder da auto-transformação.

Tryin’ To Throw Your Arms Around The World” não é só mais uma numa linhagem de títulos grandes que a banda costuma usar (tema de um capítulo desse blog, no futuro…), é a reafirmação da faixa anterior. Uma pop song, com introdução eletrônica, quase hip hop, sobre um homem perdido na madrugada depois de uma noitada de álcool e diversão.

Ultra Violet (Light My Way)” é uma speed-ballad tradicional, porém vem de outro clima. Aliás, a faixa mais importante das sessões foi “The Lady With The Spinning Head”. Dela, três faixas foram originadas; “Zoo Station” é uma versão industrial, “The Fly” o mais rock, e está, uma pop song. É uma das preferidas dos fãs até hoje…

Acrobat” é praticamente uma co-irmã de “The Fly”, porém aqui, o discurso é o oposto. Se na primeira, temos a sensação de um homem presenciando o fim do mundo e nos mandando um alô, aqui, a redenção o alcança; “…And you can dream, so dream out loud, And don’t let the bastards grind you down…

Nunca foi tocada ao vivo, e é tão amada, que até clipe fake teve. E é sensacional!

Pra encerrar, “Love Is Blindness”. Comparar amor e terrorismo. Cegueira que a paixão leva alguém a cometer qualquer coisa. Numa cadência de valsa, guitarra cortante, voz de Bono sussurrada… Inacreditável o que eles conseguiram fazer com doze faixas.

E o que veio depois? “Zoo TV”, “Zooropa”, “MacPhisto”… Uma fase que fez uma banda e que conquistou o meu coração

Enquanto isso… “Achtung Baby!”

9 Replies to ““Achtung Baby”; “Everything You Know Is Wrong””

  1. Muito bom texto. Só não concordo com o parte de que Achtung Baby seja o melhor disco dos últimos trinta anos. Para mim, The Joshua Tree ainda é o melhor.

    Achtung Baby é um álbum mais constante que The Joshua Tree em qualidade, com canções excelentes (Ultraviolet é minha favorita deste disco), mas não possui mega hits (em quantidade) como Where The Streets Have No Name, I Still Haven’t Found What I’m Looking For e With Or Without You. 

    Mas o duelo The Joshua Tree X Achtung Baby é algo que sempre existirá, e pouquíssimas bandas se dão a este luxo de ter dois álbuns na lista de melhores discos da história.

    1. Muito bom texto. Só não concordo com o parte de que Achtung Baby seja o melhor disco dos últimos trinta anos. Para mim, The Joshua Tree ainda é o melhor.

      Achtung Baby é um álbum mais constante que The Joshua Tree em qualidade, com canções excelentes (Ultraviolet é minha favorita deste disco), mas não possui mega hits (em quantidade) como Where The Streets Have No Name, I Still Haven’t Found What I’m Looking For e With Or Without You. 

      Mas o duelo The Joshua Tree X Achtung Baby é algo que sempre existirá, e pouquíssimas bandas se dão a este luxo de ter dois álbuns na lista de melhores discos da história.

      Com certeza, é uma ótima discussão. Eu, particularmente, acho “The Joshua Tree” supervalorizado. Pra mim, o disco tem três grandes singles (as tres que vc citou) e somente uma faixa realmente sensacional além delas, “Running To Stand Still”. Pra mim, o resto do disco é muito irregular. Tanto que somente “Bullet The Blue Sky” conseguiu se reinventar ao vivo. Quase todo o resto do disco foi abandonado pela banda. “Acthung Baby” foi o primeiro disco da banda que transcendeu um tipo específico de público. Provavelmente, se tivessem continuado tentando ser o que vinham sendo (uma banda de arena repetitiva e extremamente calcada em música americana) mais da metade dos fãs que hoje acompanham a banda não estariam aqui. Eles pararam de olhar para o passado e passaram a olhar para o futuro.

  2. Texto perfeito, Achtung baby e um dos maiores discos da Historia do Rock, e nao sou so eu como fa que acha isto. E so ver a importancia que a midia especializada e nao especializada (ate o canal GNT fez materia), deu ao relancamento. A influencia que fez a inumeras bandas, e o respeito dos criticos e imensa. Ao meu ver superior ao The Joshua Three pelo grau dificuldade e o alto indice de criatividade, ja que so som do TJT era previsivel depois do TUF(album anterior e ja apontando um grande disco a caminho), ja depois de TJT o previsivel era um disco bom, e nao uma obra prima.
    Enfim disco magnifico, perfeito e uma fase arrebatadora de invejar qualquer musico ou banda. Achtung Baby abriu o futuro.

  3. Há uma diferença que precisa ser dita entre os fãs do U2.
    Existem aqueles que presenciaram a virada da década 80/90 e os que não.
    Quem não presenciou aquilo dificilmente entederá o Achtung na sua plenitude.
    O Joshua Tree talvez seja supervalorizado, Márcio, porque existiu o Achtung Baby!
    Quantos amigos literalmente odiaram o novo U2 e colocaram o Joshua em um pedastal (que para eles até hoje permanece).

    Poucas bandas longevas fizeram uma mudança tão radical.

    Stones foi sempre Stones, Cure foi sempre Cure, Pearl Jam, R.E.M., Radiohead, etc…

  4. Achtung Baby pode até ser melhor tecnicamente, mas ainda prefiro a paixão de The Joshua Tree.

    Não acho acho The Joshua Tree super valorizado, pois foi este álbum o responsável por definir o U2 como a maior e melhor banda do mundo. Por isso merece todo seu valor.

    Achtung Baby ajudou a consolidar um legado que foi começado em The Joshua Tree. Ambos estão em um mesmo patamar em importância e qualidade.

  5. ““One” é uma força avassaladora. Narrada do ponto de vista de um filho morrendo em decorrência daAIDS, conversando com seu Pai, ela chegou ao coração de músicos, críticos e, claro, do publico. É, com certeza, a melhor canção escrita nos anos 90.”

    Cara, que matéria linda! Muito bem feita. Gostei demais desse trechinho. Você não somente OUVE U2. Você sente.

    1. ““One” é uma força avassaladora. Narrada do ponto de vista de um filho morrendo em decorrência daAIDS, conversando com seu Pai, ela chegou ao coração de músicos, críticos e, claro, do publico. É, com certeza, a melhor canção escrita nos anos 90.”

      Cara, que matéria linda! Muito bem feita. Gostei demais desse trechinho. Você não somente OUVE U2. Você sente.

      Obrigado pelo elogio Steffi! 😉

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