Especial “October – 30 anos”

Especial “October – 30 anos”

No próximo dia 12 de outubro, não só estaremos celebrando o nosso dia das criança como também o dia do lançamento de um disco que, de certo modo, ‘salvou’ o U2; “October”, segundo disco da banda foi lançado nesse dia, há exatos trinta anos, no longínquo ano de 1981.

Entendê-lo é também entender um pouco a carreira e a forma de trabalho de Bono, Edge, Larry e Adam. Produzido por Steve Lyllywhite, que já havia trabalhado com a banda em “Boy”, lançado exatamente um ano antes, o disco até hoje é considerado como sendo de ‘segunda linha’ na carreira da banda. Praticamente inexiste em qualquer retrospectiva feita até agora. Tanto que somente a faixa-título foi inserida na compilação que cobriu essa fase, e mesmo assim, como ‘faixa bônus’, escondida no final.

O processo de composição se iniciou logo após o término da “Boy Tour”, em fevereiro de 1981. Um primeiro single, “Fire”, já havia sido gravada em um estúdio nas Bahamas em um intervalo da gira. No livro “U2 By U2” (ou “A Bíblia”, para nós), Adam fala da gravação; “Gravamos um single, ‘Fire’ com o Steve Lillywhite. Era uma música nova que tinha uma boa aceitação ao vivo, embora, como de costume, a letra só tivesse ficado pronta na gravação final. Acho que só passamos um dia no estúdio. O tempo estava muito bom para estarmos em estúdio gravando! De certo modo, foram as primeiras férias de verão. Me fazia lembrar aquelas fotografias de quando os Beatles estiveram no Caribe, do tipo “rapazes fazem esqui aquático pela primeira vez”. Era essa a idéia, mas acabou não se concretizando. Acho que o Bono quase afundou o barco. Sei que esteve envolvido em um incidente qualquer com um barco – acho que ficou preso em um banco de areia”

Bono completa; “‘Fire’ não foi uma música muito boa. Sempre tive esperança de que a poderíamos compensar à medida que fossemos avançando, mas, por vezes, não conseguimos, e ela acabou sendo um exemplo disso. Quando se está em um lugar como Nassau, não há muita vontade para trabalhar. Percebemos então, porque é que os grandes grupos fazem discos que não valem nada quando vão gravar lá – quem é que quer ir para Bahamas e ficar fechado em um estúdio?”

Mas o grosso da lista final ainda residia no famoso ‘caderno’ de Bono. Fato que acabou sendo o grande responsável pela finalização capenga que o disco teve; Segundo consta a lenda, uma pasta com o caderno e outras anotações foi roubada enquanto a banda esteve em Portland com parte da perna americana da turnê e como tudo já estava acertado e banda precisava entregar para a Island Records um produto final até o final de Agosto, tudo teve de ser refeito as pressas. Lembrando que para a gravadora, apesar do burburinho que o primeiro álbum fez, o U2 ainda era um aposta arriscada. Mais arriscada ainda depois da crise de fé que a banda atravessou naquele período, logo após serem altamente expostos ao ‘universo do Rock’N’Roll’ nos EUA.

Os quatro, com o orçamento apertado, resolveram voltar para suas raízes e se enfurnaram onde tudo começou; No colégio Mount Temple. A banda alugou por um preço ‘simbólico’ e achou que alí encontraria um som para o próximo álbum. ” Com a confiança própria da juventude, acabamos a turnê, fomos para um local de ensaios e presumimos que as músicas fossem surgir por si. Trabalhamos inúmeras idéias muito rápido. Grande parte era improvisada. Pegamos um riff de guitarra ou uma parte da bateria e compúnhamos uma música em torno disso. Acabamos por ter muitas partes e o Bono ficou encarregado de encontrar melodias que lhes servisse de suporte. Entretanto, instalou-se o pânico quando percebemos que a data da gravação do álbum estava se aproximando e não havia letras para música nenhuma. Acho que só ficamos verdadeiramente conscientes da dimensão do problema quando entramos no estúdio. O Bono estava em pânico e, geralmente, lá em cima, em outra parte do prédio tentando desesperadamente organizar as idéias. Foram momentos bastante complicados.” contou Edge.

Dessa bagunça, nasceu “Gloria”, posteriormente lançada como segundo single do disco e que ganhou o primeiro clipe propriamente produzido da banda. A gravadora, lógico, torceu o nariz; Imaginem que você tem uma banda nova quente nas mãos, vinda de um disco que causou alvoroço, principalmente na cena New Wave/Punk da época, com um punhado de boas críticas nos EUA, elogiando o carisma e a energia da banda, e a primeira música de trabalho disponível, mostra o cantor misturando canto gregoriano e bíblia; “I try to stand up but I can’t find my feet. I try to speak up but only in you I’m complete: Gloria in te domine”. A batata, definitivamente, estava assando.

Além das limitações orçamentárias e de criatividade, a banda começo também a tropeçar nas suas limitações técnicas. “Tive grandes dificuldades na música ‘I Threw a Brick Through a Window’ por causa do tempo” conta Larry. “Muitas vezes, depois de passarmos dias compondo e recompondo, gravando e regravando, era difícil manter o ritmo, e o fato de não usar um metrônomo não ajuda nada. As peças da bateria é que sofriam quando eu tocava com toda minha energia para tentar manter o ritmo. O meu despertar deu depois de um dia inteiro sem conseguir progredir na ‘I Threw A Brick’. Quando voltei ao estúdio no dia seguinte, o Edge tinha feito um arranjo de uma parte da bateria excelente. Fiquei puto por ele ter composto uma parte da bateria melhor do que eu. Era o empurrão que eu estava precisando”.

A letras são vagas improvisações que se esforçam para se conectar. “Rejoice”, explicitamente católica e “Tomorrow”, uma das mais doloridas letras de Bono sobre a sua adolescencia e a perda de sua Mãe. Ambas, são como imagens, quadros. Bono disse “Analisando agora essas primeiras canções, onde a linguagem não é tão importante como estas imagens inconscientes, vejo que isso pode estar relacionado com uma certa falta de prudência. É o tipo de situação com a qual muita gente se identifica, mas não é algo intelectual.”.

E para, de certa forma, atrapalhar ainda mais o disco, a banda resolveu fazer o seu primeiro grande show em Slane Castle abrindo para o Thin Lizzy, em um dos maiores eventos da época. Em um momento muito pouco inspirado, a banda resolveu testar as novas canções nesse ambiente, abrindo o show com “Tomorrow” e introduzindo gaitas de fole folclóricas na canção ao vivo. “Um desastre”, segundo Bono.

Foi um dos nossos piores shows.”, Edge completa. “Saímos do estúdio, de uma das experiências de gravação mais traumática das nossas vidas, e fomos direto ao show, sem tempo para ensaiar. Algumas músicas nunca tinham sido apresentadas ao vivo. Fomos mesmo um desastre. Para piorar ainda mais as coisas, tivemos alguns problemas técnicos com as guitarras e outros equipamentos. Chegamos a um momento em que tivemos que parar e depois começar tudo de novo.”

Além de todo o imbróglio criativo, técnico e financeiro, a crise pessoal também se abateu sobre Bono, Larry e, especialmente, Edge, que chegou a abandonar a banda a certa altura. Convencidos de que a vida religiosa que levavam não combinava com a de vindouros Rock Stars, as coisas começaram a ficar tensas e estranhas. Principalmente, devido a participação dos três na comunidade cristã batizada de Shallom, que pesquisava e estudava profundamente a Bíblia. Porém, assim que Bono conseguiu convencer Edge a voltar, Larry pos um ponto final na ‘missa’; “Edge largou a banda, eu larguei as reuniões”.

Adam, o único não cistão da banda, foi o que mais temeu pelo fim de tudo; “O Bono e o Edge apareceram e disseram que estavam tendo certa dificuldade em chegar a um consenso sobre o que estava acontecendo com eles espiritualmente e sobre o que significava fazer parte de uma banda de rock’n’roll. Isso foi uma espécie de choque para mim, para o Steve Lillywhite e para o Paul, e então fizemos o que sempre fazemos em situações de crise: uma reunião. Ninguém tentou convencê-los a desistirem da idéia, mas o Paul fez uma interpretação pessoal do que eles estavam dizendo e falou: “É mesmo isso que vocês querem? Acreditam mesmo que vão se tornar mais eficientes se voltarem as suas vidas ditas normais? Ou acham que aproveitar essa oportunidade de fazer parte de uma grande banda de rock’n’roll vai, em longo prazo, ter mais valor?” O que quer que tenha acontecido depois, deu ao Bono, Edge e ao Larry determinação para sentirem que podiam terminar o disco.”

Nesse momento, as coisas voltaram a fazer sentido. Em um momento que talvez só viesse novamente á acontecer no final daquela década, quando novamente em crise criativa, a banda deu á luz a “Achtung Baby”. Esse momento de medo e insegurança logo no segundo disco, é o grande responsável pelo caminho firme e pela união que os levaria a se tornarem a maior banda do mundo em um pouco mais de seis anos daquela situação.

E essa confusão toda acabou resultando em uma obra parca de conteúdo. “October”, a canção-tema, é uma pérola. Linda, doce e extremamente profunda sobre uma base de piano. “Já não tocava piano desde criança”, conta Edge. Desisti do piano quando tinha 12 anos para me dedicar à guitarra, mas ainda me lembrava de alguma coisa. Não sei onde surgiu o trabalho October, mas estava sentado ao piano. Foi para aí que fui transportado, para um rígido e cinzento, mas também bonito lugar europeu. Depois da turnê pela Europa, de ver Paris, Amsterdam, Berlim e Hamburgo durante o inverno, nunca me senti tão europeu. Teve um impacto bem forte em mim, tal quando vi Nova York pela primeira vez.”

O título veio de Bono. “Muito Joy Division. Segunda guerra, inverno europeu”. A confusão só aumentava conforme o disco nascia; “I Fall Down” e sua base de teclado e pouca guitarra; “With a Shout”, que tentava resgatar um pouco a energia juvenil de “Boy”; “Stranger In A Strange Land” e sua batida errante; “Scarlet”, que recebeu um respeitável tributo durante a última turnê, é praticamente uma vinheta e, para fechar, eles resolveram utilizar o riff da guitarra da introdução utilizada ao vivo para “The Electric Co.”, batizada de “The Cry”, para tentarem terminar o álbum, com a faixa “Is That All?”, que é praticamente um analogia do que seria o disco.

Larry achou que o disco ficou melhor do que todos diziam. Paul McGuinnes detestou a capa, realmente, um atestado de mau gosto, que na minha opinião, só conseguiu ser comparada com de “How To Dismantle An Atomic Bomb”, de 2004. “A capa foi culpa minha”, confessa Bono. “Eu tinha uma ligação muito forte com Docklands em Dublin. O Windmill Laneficava nas docas, e havia lá uma parte em particular que eu ia durante as gravações para tentar me inspirar. Era um lugar muito especial, tinha uma espécie de estética industrial. Havia alguma coisa naquela água. Agora é onde ficam os estúdios Hanover Quay, os nossos estúdios, e é também o centro da nova Dublin. Mas, na época, não havia qualquer sinal de vida. Apenas um cachorro chamado Skipper e um cara chamado George, que era o guarda. Creio que o instinto de fazer a sessão fotográfica lá estava certo, mas não teve o resultado esperado”.

Apesar do lançamento modesto que a gravadora fez, o disco acabou indo bem no Reino Unido, mas ficou longe de ser o estouro que todos pensavam que tinham depois de que “Boy” havia ido tão bem. “Qualquer outra gravadora teria nos abandonado”, confessou McGuiness. Porém, o vídeo de “Gloria” acabou sendo muito executado na América, devido ao nascimento de uma certa “MTV”, o que os ajudou muito durante a primeira parte da turnê pelos Estados Unidos. Humildemente, Bono reconhece; “Quando iniciamos a turnê pela América, aconteceu uma coisa muito estranha. Em algumas cidades os shows continuavam sendo em clubes. ‘Gloria’ não passava na rádio e as coisas estavam ficando um pouco inseguras. Mas, nas outras cidades, tínhamos shows com mil ou duas mil pessoas assistindo. Tínhamos shows agendados em grandes anfiteatros para podermos satisfazer a procura. Apresentamos no Hollywood Palladiumem Los Angeles para mais de quatro mil pessoas. Essas cidades eram palco de estudo de mercado para um novo conceito que era a televisão da música, a MTV. Ainda não havia muitos vídeos na época, mas um deles era ‘Gloria’ e eles estavam sempre passando o vídeo. Tornamos a primeira banda da MTV e eles nos ajudaram a sermos lançados.”

Foi também durante a turnê de “October” que a banda acabou conheçendo o fotógráfo e colaborador Anton Corbjin, que está com eles até hoje. “Nós ficamos impressionados com ele” conta Bono. “porque ele pagou para nós e para a equipe da gravadora uma rodada de bebidas. Anton tornou-se um dos meus melhores amigos e uma pessoa cuja visão teria um forte impacto na banda. Anton identificou o espírito da banda e deu-nos habilidade de assumir riscos nas sessões de fotos. Nós fizemos de tudo para o Anton, nós fomos fotografados nus, nós vestimos vestidos e usamos maquiagem. Mas, de alguma forma, o prazer e diversão que sempre tivemos com o Anton, raramente foram capturados por suas lentes porque ele tem uma visão diferente de tudo. Ele não tenta capturar você como você é, ele está tentando retratar o que você pode vir a ser. As fotos muitas vezes são magníficas, visto que a banda certamente não é. Essa é a dele – ele acha as imagens certas para aquelas músicas. Nós éramos muito sérios, era uma época muito estética. Anton tirou fotos que se parecia com as músicas e não com os músicos.”

Ainda em 82, pouco tempo depois do lançamento do álbum, a gravadora se encontrava em uma enrascada; Tinha ainda mais seis meses de turnê pela frente e nenhuma música confiável para ser lançada como single. A solução? “A Celebration”, lançada como compacto juntamente de “Trash Trampoline and The Party Girl”, que acabou ganhando inclusive um vídeo totalmente renegado pela banda, já que não faz parte de nenhum lançamento posterior feito. Além de “Party Girl”, um mimo até hoje celebrado pelo fãs.

October”, o disco, é um obra incompleta, confusa, dolorida e de valor inestimável. É a sobra de “Boy” e a demo de “War”. É um disco sem singles e sem longevidade mas é o primeiro real ‘turning point’ na carreira do U2. Ali, a amizade foi reforçada, o respeito foi renovado e a vontade de alcançar seu objetivos foi definida. Pra mim,  é energético, sincero, honesto e rápido. Pueril na sua essência. Uma tentativa de subir um degrau sem ter aprendido direito a usar as pernas. “Gloria” é, até hoje, uma das minhas preferidas…O som foi moldado através do erro e meninos começaram a se tornar homens no mundo do showbizz. Se o U2 de hoje deve tudo a “Achtung Baby”, o mega-U2 do final dos anos 80 nasceu aqui.

Márcio GuaribaNota do Editor; Em 2008, a gravadora Interscope remasterizou os quatro primeiros lançamentos e os relançou com material raro e inédito, além é claro, de uma embalagem luxuosa. “October” foi tratado com muito respeito; O disquinho bônus é uma jóia para os fãs, com apresentações raras ao vivo, como de “Scarlet” e “With a Shout”, além dos b-sides da época. Mais informações, aqui.

Pra fechar esta homenagem, vamos de “Scarlet” em São Paulo, ao vivo, na ‘360 Tour’;

3 Replies to “Especial “October – 30 anos””

  1. Gloria também uma das minhas canções favoritas, claro que é também pelo fato de ser uma espécie de “oração” ou agradecimento a Deus. 
    O que eu mais achei interessante foi que esse post mostra que o U2 não é composto daqueles caras perfeitos, que sabem de tudo, quem tem plena convicção de suas opiniões, mostrou como eles eram e, em alguns assuntos, até hoje são inseguros. Enfim, muito bom!

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